Favorecimento pessoal

Desembargadora da Justiça Militar do RS é condenada por improbidade

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24 de janeiro de 2021, 16h32

Juiz que orienta advogado, interfere na distribuição do processo para satisfazer interesse pessoal e ainda dificulta o acesso do Ministério Público aos autos incorre em improbidade administrativa, ato ilegal e contrário aos princípios básicos da administração pública previsto no artigo 11 da Lei 8.429/1992. Para a sua configuração, basta o dolo eventual como elemento subjetivo, como sinaliza a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

CNJ
TJ-RS condenou desembargadora por ato de improbidade administrativa

Com esse entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que condenou Maria Emília Moura da Silva, atualmente desembargadora do Tribunal de Justiça Militar, por atos ímprobos cometidos à época em que era juíza na 2ª Auditoria Militar de Porto Alegre. Ela terá de pagar multa no valor equivalente a 10 vezes a sua remuneração bruta recebida à época dos fatos (março de 2008), com as devidas correções.

O relator da apelação no TJ-RS, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, afirmou que os fatos narrados na ação civil pública atentam contra a moralidade, a credibilidade do Poder Judiciário e contra a garantia de imparcialidade ao julgar. Tudo porque a juíza militar atuou, inegavelmente, para favorecer uma das partes no processo, consciente das consequências e dos resultados de sua conduta.

‘‘A prova carreada aos autos demonstra suficientemente a prática, pela magistrada ré, de atos de favorecimento de terceiro (soldado Paredes) em mandado de segurança, em clara violação aos princípios da administração pública, mormente aos deveres de honestidade, imparcialidade, lealdade às instituições e moralidade’’, apontou Difini no acórdão. A ré opôs embargos de declaração, que aguardam julgamento no colegiado.

Procedimento administrativo-disciplinar
Em março de 2008, a juíza militar Maria Emília Moura da Silva manobrou para ‘‘dirigir a distribuição’’ de um mandado de segurança impetrado em favor do então soldado Sérgio Rocha Paredes, hoje sargento na Brigada Militar – a polícia militar gaúcha –, para a 2ª Auditoria da Justiça Militar de Porto Alegre, onde era a titular.

Segundo a denúncia, antes, ela já havia agido para a contratação da advogada Elen Beatriz Mendes de Castro, defensora de Paredes. Elen é mãe de Caroline Mendes de Castro, que elaborava os projetos de sentença no gabinete dela entre 2005 e 2008.

Atraindo o processo para si, a juíza concedeu uma liminar favorável – e sem precedentes – em favor de Paredes, ferindo o Estatuto da Brigada Militar (Lei estadual 10.990/97). A manobra chamou a atenção da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, que pediu para ingressar nos autos do mandado de segurança. O pedido de vista aos autos do Ministério Público, no entanto, foi negado pela magistrada. Os procuradores só conseguiram acesso após entrar com mandado de segurança contra a juíza.

Em face desta e de outras condutas, em maio de 2010, a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul instaurou procedimento administrativo-disciplinar contra Maria Emília. Realizada a instrução, em sessão realizada no dia 25 de outubro de 2010, a corte militar proferiu acórdão, aplicando a pena de ‘‘disponibilidade remunerada’’, com subsídios proporcionais ao tempo de serviço. Em palavras simples, ‘‘inatividade remunerada’’.

Ato de improbidade
Pelos mesmos fatos, o Ministério Público gaúcho ingressou com ação civil pública contra a juíza militar na 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre. Alegou que não encontrou informações acerca do MS impetrado pela defesa do soldado Paredes na 2ª Auditoria Militar. Além disso, alegou que a ré passou a sonegar os autos quando conclusos para sentença, afirmando que já havia julgado o processo.

Além do caso do soldado Paredes, o MP destacou que a ré, reiteradamente, deixa de proferir sentenças, permanecendo com os autos por tempo injustificado, ainda que, em média, exerça a jurisdição somente sobre cerca de 60 processos, por vezes levando à incidência da prescrição. Para corroborar com a afirmação, individualizou processos em que teria ocorrido o retardamento indevido.

Além da falta de transparência e zelo pela coisa pública, a inicial registrou que a ré, mesmo afastada de suas funções pelo TJM-RS, despachou e decidiu situação juridicamente relevante em dois processos.

Pelo conjunto das condutas, o MP pediu a condenação da juíza por violação do artigo 11, caput e inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). O dispositivo diz que constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, notadamente ‘‘retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício’’.

Defesa da juíza
Citada pela 5ª Vara da Fazenda Pública, a denunciada apresentou contestação. Primeiro, reclamou de não ter sido notificada no inquérito civil do Ministério Público para prestar esclarecimentos – que acabou arquivado em 5 de fevereiro de 2013.

Lembrou que a ACP foi ajuizada três anos e sete meses depois de instaurado o procedimento investigatório preliminar e dois anos e cinco meses depois de instaurado o inquérito civil. Segundo a ré, tais atrasos desrespeitaram os procedimentos e prazos da Resolução 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público.

Por último, informou que os dois procedimentos investigatórios criminais abertos pelo Ministério Público contra ela, tendo como origem os fatos narrados na ação civil pública, foram arquivados pelo Órgão Especial do TJ-RS. Os procedimentos analisaram as denúncias de retardamento de sentença, sumiços de peças processuais, fraude nos livros cartorários para encobrir deficiências e os atos concernentes ao mandado de segurança do soldado Paredes.

Sentença parcialmente procedente
Em sentença proferida no dia 4 de julho de 2019, o juiz Marcos La Porta da Silva reconheceu a prática de ato de improbidade administrativa, tal como descrita na petição do MP. Em consequência, condenou a ré ao pagamento de multa no valor equivalente a 10 vezes sua remuneração bruta recebida à época dos fatos (março de 2008). O valor é corrigível pelo IGP-M e com incidência de juros moratórios de 1% ao mês até o efetivo pagamento.

Na formação da prova, o julgador deu especial relevo ao conteúdo de um diálogo travado entre Caroline Mendes de Castro e o então promotor de justiça João Barcelos de Souza Júnior – hoje, desembargador do TJ-RS. O diálogo, captado por escuta ambiental, ocorreu no gabinete da juíza no dia 2 de junho de 2008.

‘‘Percebe-se, pela simples leitura da degravação, que as informações acerca da interferência da ré no mandado de segurança impetrado em benefício do soldado Paredes foram trazidas pela própria Caroline, e não somente por João Barcelos, o que, a meu sentir, afasta a ideia de que simplesmente estivesse ‘dando corda’ ou dissimulando, como referiu em seu depoimento judicial’’, afirmou.

Segundo Silva, para que seja possível o reconhecimento do ato ímprobo, necessária a comprovação do dolo na conduta da ré, já que lhe foi atribuída a violação de princípios administrativos. ‘‘A esse respeito, claramente a demandada agiu contra os princípios da impessoalidade e da moralidade, para dizer o mínimo, já que promoveu indevida distribuição dos autos para sua competência e, após, durante o andamento processual, deu causa à perda do mandamus, fato reconhecido inclusive em julgamento administrativo’’, complementou.

No encerramento, o julgador explicou que não se deteve sobre as falhas de cartório, já que havia problemas sérios na gestão de pessoal e condução dos processos pelos servidores. Antes, focou na conduta da magistrada em tarefas de sua ‘‘competência exclusiva’’, que não sofre interferência dos demais servidores. Afinal, a denúncia do MP ‘‘atribuiu à ré a prática de atos dolosos, e não culposos, pois catalogou sua conduta ao disposto no artigo 11 da Lei 8.429/1992’’.

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Processo 001/1.14.0086348-2

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