Opinião

Uma nova ferramenta de gestão para melhorar os serviços judiciários

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22 de janeiro de 2021, 14h35

Em meados do ano passado, foi publicado o relatório de 2020, ano-base 2019, da pesquisa "Justiça em Números", produzido pelo Conselho Nacional de Justiça, o 17º da sua série histórica. A par dos levantamentos de ordem financeira, estrutural e de pessoal, entre outros, o "Justiça em Números" traz algumas boas notícias: 1) a taxa de congestionamento (processos pendentes de julgamento) teve a maior redução já anotada, a atingir o patamar de 68,5% — ou seja, para cada cem processos, 31,5 foram solucionados; 2) houve também um importante aumento de produtividade tanto de magistrados (13%) como de seus servidores (14%); 3) diminuição de 1,5 milhão de processos pendentes de solução, o que reduziu o acervo existente; 4) cerca de 12,5% dos processos judiciais foram solucionados mediante conciliação/mediação; e 5) consolidação da Justiça eletrônica, pela qual nove entre dez novos pedidos ingressos no sistema de justiça decorrem do uso de algum dispositivo eletrônico (computador, tablet ou mesmo celular).

Mas a par dessas notícias alvissareiras, há outras nem tão promissoras: 1) em que pese a diminuição do acervo de processos pendentes de julgamentos, há ainda um estoque de 77,1 milhões de processos que aguardam julgamento; 2) o tempo médio, assim considerado da inicial até a baixa (arquivamento do processo), variável de acordo com determinados segmentos do Judiciário, também é revelador das dificuldades enfrentadas pela organização judiciária para entregar definitivamente a prestação jurisdicional ao cidadão brasileiro: na Justiça federal, esse tempo médio é de dois anos e dez meses na fase do conhecimento, e de oito anos e três meses na fase de execução/cumprimento de julgado — tudo no âmbito da primeira instância; na segunda instância (TRFs) esse tempo médio é de dois anos e cinco meses; no âmbito da Justiça estadual, o tempo médio é de três anos e sete meses na fase do conhecimento e de sete anos na fase de execução/cumprimento de julgado, tudo na primeira instância; na segunda instância (TJs) o tempo médio é de um ano. A soma desses tempos dá bem a medida da morosidade existente no sistema de Justiça nacional. Isso sem contar os tempos médios referentes aos tribunais superiores (por exemplo, STJ e STF), além daqueles de processos sobrestados.

A análise da denominada morosidade do nosso sistema de Justiça não se deve rasa e nem simplista, como, aliás, é habitualmente feita. Tal morosidade parece decorrer da junção de várias e complexas causas que acabam por potencializá-la, entre as quais poderíamos mencionar algumas: passaria pelo seu principal insumo, qual seja, a legislação, produzida em profusão e nem sempre bem elaborada, a gerar inúmeras dúvidas interpretativas; seguiria pela falta de estrutura material e humana compatíveis com um país continental e de grande desigualdade; avançaria pela existência de normas processuais que parecem burocratizar em demasia o procedimento judicial, como também pela existência de um grande número de recursos que, somados, dificultariam a entrega da prestação jurisdicional com presteza e no tempo razoável exigido pela Constituição Federal de 1988; e, por fim, chegariam à grande litigância das pessoas jurídicas de direito público, de suas autarquias e fundações, bem como das grandes instituições financeiras, que estariam a sobrecarregar em demasia os órgãos judiciais.

Apesar desse verdadeiro emaranhado de causas que parecem impactar negativamente a prestação jurisdicional, modernamente tem se inserido entre elas a da ausência ou da pouca relevância dada à denominada gestão judiciária, de acordo com certos estudos e pesquisas, tais como os de Sadek (2014), Alves da Silva (2010), Cebepej-IASP (2016) e Alves da Silva e Arena Filho (2020). Leia-se gestão judiciária como aquelas atividades desempenhadas pelos juízes, como apoio do seu suporte, para melhor organizar e fazer funcionar uma unidade judiciária.

E foi pensando justamente em investir nessa vertente da gestão judiciária que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) instituiu a chamada gestão por processos de trabalho (Resolução 136/17). Após ter iniciado a sua aplicação no âmbito das atividades administrativas do próprio tribunal e da diretoria do foro (órgão de administração da primeira instância), o Provimento nº 1, da Corregedoria Regional da 3ª Região, de 21 de janeiro de 2020, determinou que todas as suas unidades judiciárias, e bem como aquelas atividades administrativas de apoio à atividade fim, tais como centrais de conciliação, centrais de mandados e núcleos de suporte administrativo, realizassem o chamado mapeamento de processos de trabalho — fase inicial e essencial para a implementação da gestão por processos de trabalho à atividade jurisdicional.

A gestão por processos de trabalho constitui-se em um ciclo de ações que pressupõe a identificação, a melhoria e o aperfeiçoamento das atividades desenvolvidas, de ponta a ponta, pela organização judiciária, qual seja, desde o recebimento da inicial até a entrega da prestação jurisdicional, com o objetivo de torná-la mais eficiente, eficaz e transparente, e assim poder melhor atender o cidadão. Para que esse ciclo de melhorias seja totalmente implementado é fundamental que, primeiro, se dê o denominado mapeamento dos processos de trabalho, feito no âmbito da 3ª Região pela ferramenta do Bizagi Modeler. Pelo mapeamento, que fornece uma representação gráfica das atividades e tarefas desempenhadas pelos integrantes da unidade judiciária, desde o ingresso do pedido até o seu julgamento, não somente será possível ter uma visão ampla das atividades desenvolvidas no interior de uma secretaria/cartório judicial, como ainda possibilitará a identificação de pontos obscuros, retrabalhos e gargalos a serem evitados. Esse instrumental ainda possibilitará nas suas fases mais adiantadas a padronização de certas atividades, a identificação de "quem faz o que", "como faz" e "por que faz" nesse espaço organizacional, além de documentar formalmente tudo isso, tal como em um manual. E essa documentação não somente trará uma maior transparência ao serviço público desenvolvido na vara, como também servirá de guia orientador dos procedimentos estabelecidos pela unidade judiciária, principalmente para aqueles novos servidores e mesmo para juízes recém-chegados que não conhecem o proceder e os processos de trabalho de determinado aparato judicial.

Além disso, à medida em que a sua implantação for avançando, a gestão por processos possibilitará a criação de estratégias organizacionais para o "gerenciamento de riscos" no âmbito das atividades jurisdicionais e bem como o trabalho com indicadores para um melhor balizamento e controle da atividade jurisdicional. O chamado gerenciamento de riscos no âmbito da jurisdição se constitui em uma estratégia organizacional para se evitar, entre outros, ou a demasiada demora na entrega da prestação jurisdicional ou mesmo a prática de atos de improbidade. Já os indicadores (metas do CNJ e outras específicas da Justiça federal, ditadas pelo Conselho da Justiça Federal; além de outros referenciais utilizados pela corregedoria nas suas correições, entre outros), agregados aos mapas dos fluxos de processos de trabalho das unidades judiciárias, darão aos seus gestores, especialmente aos magistrados e respectivas equipes de apoio, diretrizes claras a seguir no trabalho da unidade judiciária.

Com todas essas informações agregadas aos mapas dos processos de trabalho de cada unidade judiciária, terá o magistrado responsável pela mesma um enorme quantitativo de dados e parâmetros para melhor organizar e fazer funcionar esse aparato judicial e, desse modo, prestar um serviço judicial com maior qualidade, presteza e efetividade.

A gestão por processos de trabalho devidamente implantada em todas as suas fases poderá ainda se constituir em um poderoso instrumento para, de modo concreto e efetivo, promover um alinhamento entre as unidades judiciárias da 3ª Região com a missão, a visão, com as metas e mesmo com os macrodesafios postos pelo Conselho Nacional de Justiça. Com isso, se pretende assegurar que o planejamento estratégico e planos de ações traçados pelo CNJ cheguem efetivamente na outra ponta da organização judiciária, isto é, àqueles que estão na "linha de frente da jurisdição", aos quais cabem a execução de tais políticas e metas.

E para fazer frente a esse enorme desafio, a Corregedoria Regional da 3ª Região, tendo à frente a desembargadora federal Marisa Santos (biênio 2020/22), com o necessário apoio da presidência e da Escola de Magistrados (Emag) do TRF-3, somado ao da diretoria do Foro de São Paulo, fez um gigantesco esforço institucional para a capacitação de servidores de todas as unidades judiciárias que trabalham com a plataforma eletrônica do PJe para a elaboração do mapeamento dos processos de trabalho de cada unidade judiciária abrangida por esse tribunal federal (Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul) e, assim, poder iniciar a implementação da gestão por processos de trabalho.

O caminho será longo e difícil, pois não se está apenas diante da implantação de uma ferramenta de gestão no âmbito da jurisdição — o que já seria por si só inédito —; mas, sim, de algo muito mais amplo, que é a criação de uma nova cultura organizacional na organização judiciária da 3ª Região.

Decerto, a melhoria da gestão judiciária não terá, de per se, o condão de promover uma imediata redução da chamada morosidade do sistema de Justiça — que implicaria na resolução total ou parcial de muitas causas por nós já mencionadas —, mas poderá de alguma forma contribuir para a sua mitigação ao longo do tempo.

 


Referências bibliográficas
— 
ALVES DA SILVA, P. E. Gerenciamento de processos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2010.

— ______________; ARENA FILHO, Paulo Ricardo. Ser Juiz ou Ser Gestor – Percepções e Práticas de Gestão Judiciária na Magistratura Estadual, Federal e do Trabalho no Estado de São Paulo. Revista de Direito Público (RDP), Brasília, Volume 17, n. 91, 117-142, jan./fev. 2020. Disponível em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/3449>. Acesso em: 11 out. 2020.

— CENTRO DE ESTUDOS E DE PESQUISAS JUDICIAIS; INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. Gerenciamento de Processos e Cartórios Judiciais. São Paulo: 2016. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br/admin/arquivos/0262d3b2a16fb72a170372fe73243e9f.pdf> Acesso em: 17 out. 2020.

— CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Pesquisa justiça em números. Brasília/DF, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf>. Acesso em: 10 out. 2020.

— SADEK, Maria Tereza. Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, n. 101, p. 55-66, mar./abr. 2014. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/87814/90736>. Acesso em: 17 out. 2020.

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