Farinha Pouca

Furar fila da vacinação pode levar a prisão por peculato, dizem advogados

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22 de janeiro de 2021, 20h35

Tânia Rego/Agência Brasil
Especialistas comentaram implicações de furar a fila da vacinação
Tânia Rego/Agência Brasil

"Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são", afirmou Macunaíma no clássico nacional de Mário de Andrade. Para alguns, a frase desde há muito pode ser usada para sintetizar o país. E talvez, cotejada com o provérbio "farinha pouca, meu pirão primeiro" — que aliás consta de música de Bezerra da Silva —, também possa ser invocada no atual cenário de escassez de vacinas contra Covid-19. Afinal, têm grassado denúncias apontando que pessoas fora do grupo prioritário estão furando a fila de vacinação.

Em um país onde o remédio judicial é prescrito como panaceia, a judicialização de tais casos tende a ser inevitável. Fundamentação jurídica não deve faltar. Para especialistas consultados pela ConJur, furar a fila pode levar, por exemplo, a prisão por peculato.

O procurador-Geral de Justiça do Ceará, aliás, recomendou nesta sexta-feira (22/1) ao promotores do estado que acionem cível e criminalmente quem furar a fila da vacina.

Marcus Vinicius Macedo Pessanha, do Nelson Wilians Advogados, especialista em Direito Público administrativo, explica que imunizar pessoas que não se enquadram "nos parâmetros estabelecidos pelas autoridades sanitárias constitui grave irregularidade, ensejando responsabilização por meio de procedimentos administrativos disciplinares, processos de improbidade administrativa e até mesmo persecução em processos criminais, podendo resultar em aplicação de multas e penas privativas de liberdade". 

Claudio Bidino, sócio do Bidino & Tórtima Advogados e mestre em Criminologia e Justiça Criminal pela Universidade de Oxford, entende que o desvio da vacina pode se enquadrar no crime de peculato. 

"O desvio de vacinas caracteriza o crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, que estabelece a pena de dois a 12 anos de reclusão, e multa, para o funcionário público que desviar algum valor ou bem móvel de que tenha a posse por força do cargo em proveito próprio ou de terceiros. O particular que porventura vier a prestar auxílio ao agente estatal para o desvio dos medicamentos responde da mesma forma por esse delito", explica.

Bidino completa dizendo que que não fica descartada a possibilidade de prisão para esses casos. "Os nossos tribunais não hesitarão em decretar a prisão preventiva de indivíduos que estiverem participando desses desvios em um momento tão delicado para o país, a fim de restabelecer a ordem pública".

Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, vai além. Diz que furar a fila pode ser considerado homicídio. 

"Desviar vacinas é um crime mais grave do que se pensa. Eis que, se provada a morte de quem estava regularmente na fila, o administrador público, garantidor por excelência, responderá pelo resultado causado — no caso, homicídio". 

Adib Abdouni, especialista em direito constitucional e criminal, também elenca as possíveis irregularidades cometidas, incluindo o peculato entre elas.

"Os agentes públicos que forem comprovadamente flagrados por desvio de finalidade em razão do descumprimento da estrita observância programática e preferencial na aplicação de doses de vacinas contra o novo coronavírus incorrem em conduta manifestamente reprovável, não só por violação aos preceitos constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, mas, sobretudo, porque a gravidade do desvio constitui fato penalmente relevante, a sujeitar o agente infrator à pena pelo cometimento do crime de peculato", diz.

Conrado Gontijo, criminalista, doutor em Direito Penal e Econômico pela USP, segue a mesma linha dos colegas.

"O desvio de vacinas é extremamente grave. Seus responsáveis deverão ser investigados e punidos. Isso porque essas condutas podem configurar, por exemplo, o crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal É inaceitável, principalmente no contexto da pandemia, a apropriação indevida de bem público, colocando em risco o enfrentamento da crise de saúde pública", diz.

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