Opinião

Renato de Moraes, craque das tribunas, dos textos, dos gramados e da amizade

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19 de janeiro de 2021, 14h39

A ConJur noticiou a morte prematura, ocorrida nesta segunda-feira (18/1), de um dos grandes criminalistas da minha geração, meu querido amigo Renato de Moraes, aos 46 anos de idade.

Filho de Antonio Evaristo de Moraes Filho e neto de Evaristo de Moraes, ícones da advocacia criminal brasileira, Renato de Moraes honrou, com seu talento próprio e uma impressionante sensibilidade, junto com o irmão Eduardo de Moraes, a tradição familiar à frente do escritório fundado em 1894.

Ficamos amigos na adolescência. A amizade dos nossos pais e a paixão pelo futebol nos uniu. Eu, meu irmão Henrique, Renato e os irmãos dele, Eduardo e Evaristo, jogamos muita bola juntos, inúmeras vezes com meu pai na lateral esquerda e o pai dele, que parara de jogar, no apito, nas peladas das tardes de sábado na grama natural do Clube dos Trinta, em São Conrado.

Renato de Moraes, assim como o pai, foi um talentoso e combativo criminalista, um colega sempre ético e leal, uma pessoa doce e generosa e um extraordinário… goleiro! Sim, ambos foram craques também na posição mais incompreendida do futebol, fazendo defesas quase impossíveis, num paralelo inevitável com a especialidade que abraçaram e honraram na advocacia!

Há uns dois ou três anos, assisti a uma sustentação oral do Renato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, enquanto aguardava a minha vez de falar. O cliente dele, acusado no âmbito da denominada operação "lava jato", havia sido absolvido em primeira instância, mas o Ministério Público Federal interpôs apelação. Na instância superior, porém, a procuradoria opinou pelo desprovimento do recurso, com manutenção da absolvição, o que era raro naqueles processos de Curitiba.

Na tribuna, presente aquele dilema que vive o advogado nessas situações, entre a possível conveniência de não falar mais nada e o dever de ofício de exercer a ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes, Renato encontrou o caminho com rara maestria, dirigindo-se aos julgadores de forma extremamente inteligente e até lúdica, encantando os presentes.

Assim, após ressaltar o parecer favorável do rigoroso órgão ministerial para confirmar a decisão absolutória de um juiz notoriamente severo, Renato lembrou da tribuna que seu pai, Evaristo, guardião das balizas como ele, sobre as angústias do criminalista, dizia que o advogado, em causas extremamente difíceis, é como o goleiro no momento do pênalti: se defender, vira herói; se levar o gol, ninguém vai culpar ou criticar. Então, prosseguiu dizendo que naquele instante se sentia em situação inversa, como a de um jogador incumbido de cobrar um pênalti… sem goleiro! Ou seja: se fizer o gol, terá apenas cumprido a sua obrigação; se perder, tornar-se-á eterno vilão. E encerrou dizendo que, àquela altura, a defesa naquela causa era assim, como cobrar um pênalti sem goleiro, imperdível, e o excesso do advogado na tribuna só poderia atrapalhar. Sorrisos no ambiente sisudo, vitória por unanimidade, cumprimentos dos colegas, como eu, que tiveram a sorte de assistir.

No ano passado, me emocionei profundamente com o lindo texto do Renato publicado na ConJur (30/8/2020) em homenagem ao meu pai, que havia falecido na véspera, mencionando a carreira profissional, sim, claro, mas lembrando principalmente do "meu" (dele) lateral-esquerdo… Ah, os insondáveis mistérios da vida… Como eu poderia imaginar que menos de cinco meses depois estaria escrevendo, com muito menos talento e inspiração, mas com o mesmo carinho, estas linhas póstumas sobre o meu amigo, o "meu" goleiro, que deixou uma legião de admiradores e enlutou a comunidade jurídica?

Vá em paz, irmão!

Autores

  • é advogado criminalista, sócio do escritório Barandier Advogados Associados e presidente da Comissão Permanente de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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