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Distrato feito antes de sequestro de imóvel não afasta constrição em ação penal

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18 de janeiro de 2021, 13h04

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça negou pedido da construtora Sagres pelo levantamento do sequestro judicial de um imóvel  que possivelmente foi usado no esquema criminoso que resultou na condenação do ex-presidente do Tribunal de Contas do Amapá, José Júlio de Miranda Coelho.

Alexandre Zveiger/123RF
Distrato foi feito dois dias antes do sequestro, motivado por denúncias de irregularidades e ocutação de bens
Alexandre Zveiger/123RF

Por maioria de votos, o colegiado admitiu os embargos de terceiro da construtora, mas aplicou a norma do artigo 130, inciso II, parágrafo único do Código de Processo Penal, segundo a qual a decisão só pode ser pronunciada após o trânsito em julgado da ação penal principal. Até agora, houve a condenação e julgamento de embargos de declaração.

O julgamento, cujo acórdão foi publicado em 18 de dezembro, gerou discussão na Corte Especial porque o imóvel localizado em João Pessoa (PB) foi vendido a José Júlio de Miranda Coelho, mas houve distrato, feito dois dias antes da decisão que determinou o sequestro do bem.

O ex-presidente do TCE firmou contrato de compra e venda no valor de R$ 350 mil, dos quais foram pagos R$ 326,8 mil, cerca de 80%. 

Além disso, a promessa de compra e venda nunca foi registrada na matrícula do imóvel. Segundo a construtora, o apartamento nunca foi de propriedade do réu, "ainda que ele tenha, por equívoco, mencionado o bem em suas declarações anuais de ajuste de imposto de renda". E afirma que só soube da ação penal quando foi decretado o sequestro.

O pedido da construtora era pelo julgamento do embargo de terceiro para admitir o levantamento do sequestro, ainda que mediante depósito de caução, no valor do distrato que seria devolvido ao réu.

Gustavo Lima/STJ
Ministra Nancy apontou que o imóvel pode ser caracterizado proveito do crime
Gustavo Lima/STJ

Possível proveito de crime
O contexto das acusações contra o ex-presidente do TCE-AP complicou os interesses da construtora. José Júlio de Miranda Coelho foi condenado por crimes de peculato-desvio, cujos valores eram ocultados pela transferência sucessiva para o nome de parentes, laranjas, imobiliárias, empresas constituídas para esse fim e construtoras, segundo o Ministério Público Federal.

Relatora, a ministra Nancy Andrighi apontou que o imóvel pode ser caracterizado como possível proveito do crime e que a circunstância de o domínio do mesmo não ter sido repassado ao acusado não foi suficientemente esclarecida.

A decisão foi tomada ante o “refinamento do delito de lavagem de dinheiro em apuração nas ações penais em curso no STJ e a necessidade de aferição da efetiva boa-fé e onerosidade do negócio jurídico de compra e venda do imóvel em questão”.

Seguiram a relatora os ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Francisco Falcão.

A maioria ainda determinou que o valor da caução deve fazer frente ao eventual efeito da condenação relativo à perda, em favor da União, do produto do crime. Ou seja, deve representar o valor total do imóvel, não apenas a parte que seria devolvida ao comprador após o distrato.

Sergio Amaral
Ministro Raul admitiu a deliberação sobre a liberação do imóvel, desde que mediante depósito judicial da caução
Sergio Amaral

Liberação mediante caução
Ficaram vencidos os ministros Raul Araújo, Napoleão Nunes Maia e Laurita Vaz, para quem a situação dos autos não se enquadra no artigo 130, inciso II, parágrafo único do Código de Processo Penal.

A norma diz que o sequestro poderá ser embargado pelo terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos a título oneroso, sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé. Não é essa a hipótese dos autos. Isso porque a construtora não adquiriu o imóvel do ex-presidente do TCE. Foi ele quem firmou compromisso de compra e venda.

Ainda assim, dadas as peculiaridades, o ministro Raul Araújo apontou que a prudência recomenda que não se delibere de imediato acerca da liberação do imóvel sequestrado, salvo mediante o depósito, a título de caução. Esse valor deve ser o total recebido pela construtora, devidamente atualizado monetariamente pela forma prevista no respectivo contrato.

“Acho isso mais justo para que ela possa transacionar com esse imóvel, se alguém quiser arriscar a comprá-lo, pois com essa nuvem de problemas que cerca esse imóvel, se alguém quiser se arriscar em comprá-lo, ela poderá vender. E a caução, que será prestada pela efetiva proprietária do imóvel, resguardará uma possível condenação futura e o ressarcimento”, afirmou o ministro Napoleão, ao acompanhar a divergência.

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Pet 9.810

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