Justiça Tributária

Descaminhos a pandemônio na novela da reforma tributária

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

18 de janeiro de 2021, 8h02

"Justiça é dar a cada um o que é seu. A justiça tributária é, portanto, reconhecer o direito de cada contribuinte, tratando-o  de forma respeitosa, cumprindo todas as leis que garantem seus direitos"
("Justiça Tributária", Ed. Outras Palavras, 2014, pg. 97)

Em outubro, a Assembleia Legislativa paulista aprovou projeto para aumentar a arrecadação estadual e cortar despesas. Consta que essa foi a maior proposta do atual governador desde o início de seu mandato.

Todavia, ocorreram reações das entidades de classe representativas de supermercados, indústrias de medicamentos genéricos, revendedores de veículos e outros.

Spacca
No projeto original, o governo estadual andou por vários descaminhos, com o que instalou-se na legislação fiscal um verdadeiro pandemônio.

Nas alterações legislativas aprovadas em outubro, alterou-se a forma de cobrança do IPVA, ampliando a incidência de mercadorias que estavam isentas. A sanha de reduzir despesas deu origem até a um plano de demissão voluntaria para servidores públicos estáveis.

O aumento do ICMS alcançava a energia elétrica e produtos da cesta básica, inclusive farinha, produtos agrícolas, leite, ovos etc.

Enquanto isso, o projeto de regulamentação do imposto sobre grandes fortunas continua parado no Congresso, sofrendo pressão do Ministério da Economia para continuar engavetado. A provável arrecadação anual desse tributo poderia ultrapassar R$ 40 bilhões, incidindo sobre o patrimônio liquido acima de R$ 10 milhões do contribuinte, com alíquotas entre 1% até 3%, que seriam reduzidas à metade depois do quinto ano de cobrança.

Em nossa coluna de 8 de junho de 2020, com o título "A Constituição, o imposto sobre grandes fortunas e a reforma tributária", registramos que no dia anterior ocorrera manifestação em Brasília contra o atual governo, contendo mensagem a favor do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto no inciso VII do artigo 153 da Constituição em vigor desde 1988 e até hoje não implementado. Vejamos:

"Artigo 153  Compete à União instituir impostos sobre:
I – importação de produtos estrangeiros;
II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III – renda e proventos de qualquer natureza;
IV – produtos industrializados;
V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI – propriedade territorial rural;
VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar".

Proposta da CUT (Central Única dos Trabalhadores) apresentada tempos atrás ao Congresso pretendia alcançar com esse tributo quem possuísse mais de R$ 2 milhões, e outras 11 propostas na mesma direção surgiram. A CUT pretendia que a arrecadação ficasse vinculada ao financiamento da saúde. Havia uma falha nisso, pois a lei orçamentária impediria tal vinculação.

Outra alegação em sentido contrário foi a possibilidade de que grandes fortunas fossem desviadas para outros países. Em países capitalistas essa tributação é utilizada como instrumento de justiça tributária. Nos Estados Unidos, por exemplo, chegou-se a tributar quem possuísse mais de US$ 1 milhão.

Qualquer que seja o argumento, ninguém duvida de que a nossa carga tributária é uma das mais elevadas do mundo (perto de 40%). Apesar disso, os serviços e benefícios que nos retornam são desproporcionais. Não é necessário nos alongarmos muito. Já a "máquina pública" sustentada pelos impostos é um insaciável monstro devorador de tudo.

A reforma tributária deveria sair neste ano, mas está cheia de defeitos e mantém as injustiças em vigor. Está claro o descaso do Ministério da Economia em relação a essa questão.

Também deve ser considerada a necessidade da atualização dos valores de retenção do Imposto de Renda na fonte no caso dos assalariados.

Sobre esse assunto o leitor pode ver nossa coluna de 11/11/2019, com o título "Propostas da reforma tributária esqueceram 7 problemas importantes", em que invocamos o artigo 1º da Lei 4.862, que regulou a tributação do IRPF na fonte pelos termos do Decreto-Lei 62/66. Nesse diploma legal, as alíquotas variavam progressivamente sobre a renda líquida, iniciando em 3% e subindo até 50%, abatendo-se em cada degrau o anteriormente pago. O imposto progressivo é mais justo, pois quem ganha mais paga mais.

A tabela hoje vigente atinge o trabalhador cuja renda não lhe permite o atendimento adequado dos seus direitos básicos de cidadão, previstos no caput do artigo 6º da Constituição:

"Artigo 6º  São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

O primeiro princípio a ser observado em qualquer cobrança de imposto é o da capacidade contributiva, explícito no artigo 145, §1º, da Constituição:

"§1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

Alterações constantes da legislação tributária criam um ambiente de insegurança jurídica insuportável, onde o contribuinte permanece em constante pesadelo, por não saber como deve orientar-se para conduzir seus negócios com o mínimo de tranquilidade.

Temos repetido que a reforma tributária de que necessitamos deve atingir três objetivos fundamentais: redução da carga tributária, simplificação da burocracia fiscal e segurança jurídica. Enfim, precisamos de algo a que possamos denominar justiça tributária!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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