Opinião

Julgamento do STF sobre contribuição ao Sebrae contraria entendimento da corte

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16 de janeiro de 2021, 11h14

Artigo do professor Hugo de Brito Machado Segundo, publicado nesta ConJur no dia 28/10/2020 [1], evidenciou, com dados numéricos, alguns problemas advindos dos julgamentos do STF via plenário virtual.

Num ambiente em que os julgadores não debatem entre si, muito menos com os procuradores das partes, as decisões têm contado com fundamentação falha. A começar pelo não enfrentamento de todos os argumentos discutidos no processo que podem, pelo menos em tese, alterar a conclusão adotada por cada julgador, como bem apontado no referido artigo.

Outro vício de fundamentação, também presente nas decisões proferidas pelo plenário virtual, ocorre quando o tribunal não segue determinado precedente invocado pela parte e, a despeito disso, não demonstra a existência de distinção com o caso concreto (distinguishing) ou a superação do entendimento firmado no precedente (overruling).

Exemplo dessa situação foi o julgamento do RE 603.624/SC, ocasião em que o STF fixou a tese de que "as contribuições devidas ao SEBRAE, à APEX e à ABDI com fundamento na Lei 8.029/1990 foram recepcionadas pela EC 33/2001" (acórdão publicado dia 13/1/2021).

Como é de conhecimento daqueles que militam na área tributária, em 2013 o STF julgou o RE 559.937/RS, no qual se debatia a base de cálculo do PIS-Importação e da Cofins-Importação. Ambos os tributos foram instituídos com base na regra de competência do artigo 149 da Constituição (redação dada pela Emenda 33/01). Referido dispositivo enumera algumas grandezas como base das contribuições, e entre elas consta o valor aduaneiro. Contudo, a legislação infraconstitucional previa que as contribuições tinham por base o valor aduaneiro, acrescido do valor das próprias contribuições e do ICMS incidente na operação.

Ao analisar o caso, o Supremo adotou como premissa que as bases de cálculo previstas no artigo 149 da Constituição (cf. EC 33/01) são taxativas, e não meramente exemplificativas. Sendo assim, como o legislador ordinário elencou o valor aduaneiro como base do PIS-Importação e da Cofins-Importação, essa base não poderia sofrer quaisquer outros acréscimos.

Partindo desse princípio, os ministros concluíram, à unanimidade de votos, pela inconstitucionalidade da incidência das contribuições sobre o que extravasava o valor aduaneiro. O entendimento pela taxatividade das bases foi claro:

"Com o advento da EC 33/2001, contudo, a enunciação das bases econômicas a serem tributadas passou a figurar como critério quase que onipresente nas normas de competência relativas a contribuições. Isso porque o §2º, III, do art. 149 fez com que a possibilidade de instituição de quaisquer contribuições sociais ou interventivas ficasse circunscrita a determinadas bases ou materialidades, fazendo com que o legislador tenha um campo menor de discricionariedade na eleição do fato gerador e da base de cálculo de tais tributos.
(…)
A redação do art. 149, §2º, III, a, da Constituição, pois, ao circunscrever a tributação ao faturamento, à receita bruta e ao valor da operação ou, no caso de importação, ao valor aduaneiro, teve o efeito de impedir a pulverização de contribuições sobre bases de cálculo não previstas (…).
Não seria razoável, ainda, interpretar a referência às bases econômicas como meras sugestões de tributação, porquanto não cabe à Constituição sugerir, mas outorgar competências e traçar os seus limites".

Assim, relativamente às contribuições cobradas com base no artigo 149, nos termos da redação dada pela Emenda 33/01, as bases de cálculo devem respeitar as hipóteses do referido dispositivo, pois essas não são "meras sugestões de tributação".

O julgamento ocorreu no rito da repercussão geral e foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos. Trata-se, assim, de um precedente qualificado, de observância obrigatória pelos órgãos do Judiciário (artigo 927, III, do CPC).

Dada a pacificação do entendimento, inúmeros contribuintes recorreram ao Judiciário para questionar temas que se enquadravam na tese fixada pelo STF. Entre tais casos, tem-se a discussão da contribuição ao Sebrae, pois, embora cobrada com fundamento no artigo 149, sua base de cálculo (folha de salários) é incompatível com as bases previstas no texto constitucional.

Pela breve exposição supra, nota-se que a solução da controvérsia ligada à contribuição ao Sebrae não comportava discussões mais extensas. Como o tributo foi criado antes da Emenda 33/01, bastava que o Supremo replicasse o entendimento adotado no RE 559.937/RS e, como consequência lógica, reconhecesse sua revogação tácita.

Tal foi feito pela relatora, ministra Rosa Weber: "Verifico, portanto, que esta Corte , por ocasião do julgamento do RE 559.937 , já teve a oportunidade de apontar para o caráter taxativo do rol constante da alínea “a” do inciso III do § 2º do art. 149 da Lei Maior , estando adstrito o legislador ordinário a observá-lo quando da instituição das espécies tributárias ali previstas".

O ministro Lewandowski também ressaltou a simplicidade para solução da controvérsia, haja vista o precedente vinculante do plenário:
"Como se nota, o STF já teve a oportunidade de identificar a delimitação exaustiva — rol taxativo — das bases econômicas passíveis de tributação por contribuição social e de intervenção no domínio econômico."

Apesar da clareza da questão, a maioria dos ministros concluiu contrariamente.

O ministro Alexandre de Morares abriu divergência, afirmando que o acórdão referente ao RE 559.937/RS não poderia ser apontado como precedente aplicável, pois a taxatividade da base de cálculo, nele assentada, revelaria somente o posicionamento individual da ministra Ellen Gracie (relatora originária). No mesmo sentido votou o ministro Gilmar Mendes, aludindo que a taxatividade das bases teria se tratado somente de um obiter dictum.

Contudo, como dito acima, referido acórdão foi tomado à unanimidade de votos. Assim, se todos os ministros votaram de acordo com a relatora, sem fazerem ressalvas contrárias à taxatividade das bases, o posicionamento adotado no final do julgamento reflete, necessariamente, o entendimento do colegiado.

Além disso, e ainda mais grave, é que a afirmação do ministro Alexandre de Morais não é verdadeira. Outros ministros afirmaram expressamente serem taxativas as bases de cálculo do artigo 149, conforme trechos de votos abaixo:

Dias Toffoli: "Ao analisar o comando constitucional, não vejo como interpretar as bases econômicas ali mencionadas como meros pontos de partida para a tributação, porquanto a Constituição, ao outorgar competências tributárias, o faz delineando os seus limites. Ao dispor que as contribuições sociais e interventivas poderão ter alíquotas 'ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro', o art. 149, § 2º, III, a, da CF utilizou termos técnicos inequívocos, circunscrevendo a tais bases a respectiva competência tributária".

Ricardo Lewandowski: "Senhor Presidente, da mesma forma, eu acompanho a eminente Relatora e, agora, o profundo voto apresentado pelo Ministro Dias Toffoli, observando que o rol do artigo 149, inciso III, alínea a, é um rol taxativo, ele estabelece as bases econômicas sobre as quais podem incidir as alíquotas desse imposto. E não é possível, como notou também o Ministro Luiz Fux, que a lei ordinária amplie este rol taxativo, consignado na Constituição".

Quanto aos demais ministros, eles também partiram do pressuposto, ainda que tácito, de que as bases do artigo 149 são taxativas. Eles se detiveram ao conceito de "valor aduaneiro", para definir se a legislação infraconstitucional extrapolou sua abrangência. Ora, se a relação das bases não fosse taxativa, a investigação sobre tal conceito seria dispensável. Isto é, o legislador poderia adotar qualquer base de cálculo, inclusive o "valor aduaneiro acrescido das próprias contribuições e do ICMS.

Logo, como a conclusão pela taxatividade das bases previstas no artigo 149 foi fixada de forma expressa no julgamento do RE 559.937/RS, o ministro Alexandre de Morais e os demais que o acompanharam deveriam explicitar motivadamente as razões pelas quais não aplicaram o precedente. Certamente, a ausência do debate prejudicou o enfrentamento do tema.

Nesse contexto, nota-se que a decisão do STF é nula, por determinação expressa do CPC. A despeito de o Supremo não ter seguido o precedente paradigma da própria corte, não foi feito o distinguishing de modo substancial, conforme demonstrado acima.

Se os ministros irão reconhecer a referida nulidade, em análise de eventuais embargos de declaração, só o futuro dirá.

Fato é que essa providência auxiliaria não apenas o adequado julgamento do caso concreto, como também o de pelo menos outras duas demandas análogas, que reclamam a mesma solução: o RE 630.898/RS, que trata da inexigibilidade da contribuição ao Incra após a Emenda 33/01, e a ADI 5.050, que trata da inexigibilidade da contribuição rescisória do FGTS após a Emenda 33/01.

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