Ambiente Jurídico

Convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

16 de janeiro de 2021, 16h33

Um tema que tem intrigado a doutrina é a questão dos convênios e dos acordos de cooperação técnica celebrados entre os entes federativos a fim de disciplinar a questão da competência em relação à competência administrativa em matéria ambiental. Trata-se de um dos mecanismos de cooperação previstos no inciso II do artigo 4º da Lei Complementar nº 140/2011, a qual regulamentou o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal de 1988.

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Andreas Joachim Krell [1] destaca que os convênios e os acordos de cooperação técnica podem ser úteis para evitar ações paralelas do órgão estadual e do órgão municipal de meio ambiente. Com efeito, é um desperdício de esforços o trabalho de dois órgãos ambientais nos mesmos processos de licenciamento ou de sanção administrativa ambiental, ainda mais se for levado em consideração que existe um grande número de atividades que não estão sujeitas a esse mecanismo por conta da falta de estrutura estatal.

É importante destacar que, tendo em vista que na prática não existe uma integração entre os órgãos que fazem parte do Sisnama, os convênios administrativos e os acordos de cooperação técnica podem ter um importante papel no desenvolvimento e na harmonização da Política Nacional do Meio Ambiente. Tais instrumentos tendem a racionalizar a atuação dos órgãos ambientais, porque evita a duplicidade de ações e permite que um maior número de atividades seja devidamente licenciado e fiscalizado.

Na eventual indefinição entre o que é de competência federal e o que é de competência estadual, e entre o que é de competência estadual e o que é de competência municipal, o convênio administrativo pode pacificar esses conflitos. Ademais, se existe um número significativo de atividades que não se submetem ao licenciamento por conta da falta de estrutura dos órgãos ambientais, não é correto que parte da precária estrutura existente seja desperdiçada com atuações em duplicidade ou falta de direcionamento.

A intenção do legislador ao estabelecer no artigo 23 da Constituição Federal a competência administrativa comum em matéria ambiental foi estabelecer o federalismo cooperativo, e para que o federalismo cooperativo se efetive é preciso que os entes administrativos trabalhem em conjunto no que diz respeito ao licenciamento ambiental. Na opinião de Toshio Mukai [2], o federalismo cooperativo é uma forma de governo em que os entes federativos, ao invés de disputarem pelas suas competências, agem de forma integrada tendo em vista as demandas dos administrados. Ele defende que foi esse o objetivo do constituinte originário ao estabelecer no artigo 23 a competência comum em relação a uma série de temas.

Sendo assim, o convênio administrativo é um excelente instrumento para o estabelecimento do federalismo cooperativo na área de licenciamento, permitindo uma atuação integrada e inteligente. No entanto, como cada ente federativo possui autonomia administrativa, nenhum tipo de convênio administrativo poderá ser imposto, até porque o próprio ingresso no Sisnama é facultativo. Andréas Joachim Krell alerta que nenhum ente federativo pode ser obrigado a assinar um convênio administrativo e que cada ente federativo pode editar e executar as próprias leis e organizar a sua estrutura administrativa na área de meio ambiente [3].

Nesse sentido, cabe destacar a Instrução Normativa nº 08/2019 do Ibama, que regulamentou a delegação da sua competência licenciatória própria para os órgãos estaduais e municipais de meio ambiente possibilidade já prevista no inciso V do artigo 4º da Lei Complementar nº 140/2011. A delegação está sempre sujeita a dois pressupostos: 1) o ente federativo somente poderia delegar aquelas atribuições que lhe fossem originárias; e 2) a delegação deveria ser feita de comum acordo entre o delegante e o delegatário, que deveriam formalizar o acordo por meio de convênio administrativo.

É claro que não se poderá delegar por convênios aquelas competências de caráter exclusivo, que são reservadas unicamente a um ente administrativo, como está previsto pelo §2º do artigo 25 e no inciso I do artigo 30 da Constituição Federal, diferentemente das competências de caráter privativo, que podem ser delegadas ou suplementadas desde que cumpridos os requisitos legais. As unidades da federação são autônomas e independentes entre si, não havendo hierarquia entre elas, mas sim competências distribuídas pela Constituição Federal.

Portanto, a utilização de convênios administrativos entre dois ou três entes federativos a fim de regularizar a competência para fazer licenciamento ambiental é recomendável para dirimir conflitos e para estimular os municípios a criarem a estrutura necessária para licenciar. Contudo, é preciso destacar que os entes federativos têm a liberdade para aderir ou não ao convênio administrativo, bem como de sair dele a qualquer momento, até porque cada um deles possui determinada parcela de competência constitucional originária para fazer licenciamento ambiental.

 


[1] KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e as competências dos órgãos ambientais: um estudo comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 114.

[2] MUKAI, Toshio. Atuação administrativa e legislativa dos poderes públicos em matéria ambiental. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, n. 6, 2002, p. 18.

[3] KRELL, Andreas Joachim. O licenciamento ambiental no Sisnama: competência e controle. In: BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e (org). Paisagem, natureza e direito. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2005. v. 1, p. 161-162.

Autores

  • Brave

    é advogado, professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE, doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 (Pantheón-Sorbonne), autor de "Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos" (7. ed. Fórum, 2019) e organizador de “Direito ambiental atualizado” (RT, 2019), entre outras publicações.

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