Opinião

Poder diretivo e vacinação obrigatória

Autor

  • Eduardo Caringi Raupp

    é advogado sócio fundador do escritório Raupp Moreira Advogados mestre em Processo Civil pela PUC-RS professor convidado de pós-graduação em Direito do Trabalho nas instituições Unisinos Imed UniRitter e Feevale membro da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RS e ex-presidente da SATERGS (gestão 2015/2017).

15 de janeiro de 2021, 21h58

Em recente artigo publicado nesta revista eletrônica, o juiz do Trabalho Otavio Torres Calvet, que eu muito admiro, defendeu a impossibilidade de o empregador exigir a vacinação para coibir a propagação do coronavírus e seus efeitos danosos. Sua posição se fundamenta basicamente na inexistência de lei que obrigue a vacinação (princípio da legalidade) e no direito ao trabalho garantido pela Constituição Federal.

Respeitosamente divirjo.

Como o próprio autor reconhece, o artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, assegura como direito social fundamental "a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança". Desse direito subjetivo do trabalhador nasce o consequente dever do empregador de garantir um ambiente de trabalho saudável e seguro.

Não há divergência sobre a responsabilidade do empregador por danos à saúde do empregado causados pelo ambiente laboral. Para ficar no "bom e velho positivismo" (bom fica pelo autor), a Constituição Federal expressamente prevê o dever de o empregador indenizar seu empregado por acidente do trabalho, quando incorrer em dolo ou culpa (inciso XXVII do artigo 7º da Constituição Federal). Como a Lei 8.213/91 equipara a doença do trabalho ao acidente do trabalho, a responsabilidade do empregador é legalmente inequívoca.

Pois bem, uma vez que o empregador reconheça em seu PCMSO o risco ocupacional de que seus empregados sejam contaminados pelo coronavírus, me parece evidente que possa exigir a vacinação. Com efeito, o item 7.1.1 da NR estabelece "a obrigatoriedade de elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional PCMSO, com o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores".

Para que fique claro. O empregador não tem a obrigação de reconhecer a Covid-19 como risco ocupacional, mas, uma vez que o fizer, não só pode como tem o dever de adotar todas as medidas para preservar a saúde de seus empregados, inclusive impor a vacinação obrigatória, caso entenda adequado.

Portanto, nosso sistema jurídico positivo, composto pelas regras acima citadas, permite que o empregador imponha a vacinação obrigatória. Situação análoga ocorre na exigência de exames toxicológicos. A jurisprudência trabalhista tem entendido legítima a obrigação quando instituída no PCMSO e seu objetivo é preservar a vida do próprio trabalhador e da coletividade formada por seus colegas.

De outra parte, a ideia de que a exigência afastaria os não vacinados do direito ao trabalho e, assim, seria inconstitucional, igualmente não me parece correta. De fato, ao empregador é vedado impor condições discriminatórias injustificadas para a contratação ou manutenção do contrato de trabalho. No entanto, quando essa condição é legítima, não há inconstitucionalidade. O empregador pode livremente impor escolaridade para determinada função, formação técnica específica e, para ficar no exemplo mais óbvio, carteira especial expedida pelo Detran aos seus motoristas. Tais exigências, que inclusive decorrem de lei, não são inconstitucionais.

Em síntese, o empregado que deseja trabalhar numa empresa que reconhece como ocupacional o risco de contaminação pelo coronavírus deve obrigatoriamente se vacinar, se assim determinar o PCMSO. Do contrário, pode livremente procurar outro emprego sem que isso afete sua intimidade ou seu direito ao trabalho.

Por fim, de forma a deixar ainda mais claro, é sempre bom citar um exemplo. Imagine um hospital que reconheça o risco da Covid-19 como ocupacional em seu PCMSO. Nesse caso, o hospital deve adotar todas as medidas possíveis para preservar a saúde da coletividade de seus empregados, inclusive a vacinação. Se um médico negacionista, já viciado em cloroquina e azitromicina, se negar a submeter-se à vacinação, a rescisão do contrato por justa causa seria consequência inafastável.

Não é possível que o Direito do Trabalho abandone o interesse coletivo, sua raiz estrutural.

Autores

  • Brave

    é sócio do escritório Flávio Obino Fº Advogados Associados, mestre em Processo Civil pela PUC-RS, professor convidado de pós-graduação em Direito do Trabalho nas instituições Unisinos, Imed, UniRitter e Feevale, membro da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RS e ex-presidente da SATERGS (gestão 2015/2017).

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