Opinião

Prescrição intercorrente: uma análise feita à luz da jurisprudência do STJ

Autor

  • Lucas Dantas de Souza

    é advogado e consultor jurídico na área ambiental especialista em Direito e Gestão Ambiental professor de pós-graduação lato sensu do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina secretário-geral da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SC sócio do escritório Buzaglo Dantas Advogados eleito em 2016 como o segundo advogado especializado mais admirado de Santa Catarina pelo anuário Análise Advocacia e indicado em 2020 como advogado na categoria "Prática Valiosa" no ramo do Direito Ambiental pela revista francesa Leaders League.

14 de janeiro de 2021, 6h04

No âmbito de um processo administrativo ambiental podem incidir dois tipos de prescrição: a quinquenal, prevista na Lei nº 9.873/99 e nos Decretos nº 20.910/32 e 6.514/08, e a intercorrente, prevista na Lei nº 9.873/99 e no Decreto nº 6.514/08.

A primeira ocorre quando da data do conhecimento do fato (ou da cessação, em caso de infração permanente ou continuada) até a lavratura do auto de infração ou da lavratura do auto de infração até o julgamento definitivo do processo (segunda instância) transcorra mais de cinco anos sem que sobrevenha qualquer causa interruptiva.

A segunda ocorre quando o processo administrativo ficar paralisado por mais de três anos. Entende-se por paralisado aquele processo em que não tenha sido proferida qualquer decisão, não sendo suficiente para o fim de que ora se cuida a prolação de singelos despachos para movimentar o processo (de um setor ao outro, por exemplo).

Como a Lei nº 9.873/99, que prevê a prescrição intercorrente, limita-se ao plano federal, o entendimento da jurisprudência consolidada do STJ, já na sistemática dos recursos repetitivos (Recurso Especial nº 1.115.078/RS), é que esse tipo de prescrição somente se aplica aos processos administrativos do Ibama e não aos dos órgãos ambientais estaduais ou municipais. Para estes é aplicável tão somente a prescrição quinquenal, a que alude o Decreto nº 20.910/32, já que a norma não previu a intercorrente.

Com base nesse entendimento, a jurisprudência dos Tribunais de Justiça do país acaba por reconhecer tão somente a prescrição quinquenal, afastando-se a intercorrente. Caso, por exemplo, do Tribunal de Justiça do Paraná, que reviu seu posicionamento, não reconhecendo mais a prescrição dos processos administrativos paralisados por mais de três anos (Apelação Cível nº 0019893-56.2018.8.16.0185, decisão de fevereiro de 2020).

Em Santa Catarina, embora se aplicasse (e ainda se aplique) a prescrição intercorrente, o entendimento do Consema, que se manteve até 2018, era de que, se da lavratura do auto de infração até o julgamento de segunda instância transcorressem mais de cinco anos, dever-se-ia reconhecer a prescrição quinquenal, independentemente de hipóteses de interrupção, visto que tanto a Lei nº 9.873/99 quanto o Decreto nº 6.514/08 vinculam a atuação exclusivamente da Administração Pública federal. Atualmente, com o advento da Resolução Consema nº 01/2018, as hipóteses de reconhecimento da prescrição são as mesmas previstas no Decreto nº 6.514/08.

Do que se percebe, não há como ir contra o entendimento consagrado do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, não adianta insistir na tese da prescrição intercorrente com base na Lei nº 9.873/99 para autuações de órgãos ambientais estaduais ou municipais.

Todavia, se a questão for analisada sob a ótica do Decreto nº 6.514/08, que em seu artigo 21 trata da prescrição intercorrente, o cenário pode ser diferente. Isso porque, embora conste do preâmbulo da norma que veio ela a estabelecer "o processo administrativo federal", é de notório conhecimento que o decreto das infrações administrativas ambientais se aplica para todos os entes da Administração, seja federal, estadual ou municipal.

Entendimento em sentido contrário exigiria que todos os órgãos da Administração Pública estadual ou municipal editassem atos para regulamentar as infrações administrativas ambientais e seus respectivos processos, o que é de todo inimaginável de acontecer. A insegurança jurídica prevaleceria, além do próprio desequilíbrio federativo, em que em determinados locais algumas ações constituiriam infrações administrativas e em outros não.

Prova disso é que a grande maioria dos autos de infração que são lavrados pelos órgãos ambientais estaduais e municipais capitula a infração em alguma daquelas previstas no Decreto nº 6.514/08, o que demonstra sua aplicabilidade a esses entes federativos.

Ora, admitir que o Decreto nº 6.514/08 se aplica em âmbito federal, estadual e municipal apenas em relação às infrações ambientais nele tipificadas, mas não sobre o trâmite do processo administrativo, mostra-se de todo desarrazoado e contraditório, data venia. Ou se aplica para tudo e todos ou se aplica integralmente apenas em âmbito federal.

Se tanto não bastasse, ao não se admitir a aplicação do Decreto nº 6.514/08 para o reconhecimento da prescrição intercorrente em âmbitos estadual ou municipal, estar-se-á impossibilitando que esse tema venha a ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que, se disciplinado por normativas estaduais ou municipais, sequer o recurso será conhecido, já que o STJ somente examina alegadas ofensas à legislação federal.

Longe de se pretender exaurir o debate sobre o tema, o que se pretende com o presente artigo é demonstrar que há outros argumentos pelos quais se possa chegar ao reconhecimento da prescrição intercorrente em âmbitos estadual e municipal.

Autores

  • é advogado e consultor jurídico na área ambiental, especialista em Direito e Gestão Ambiental, professor de pós-graduação lato sensu do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina, secretário-geral da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SC, sócio do escritório Buzaglo Dantas Advogados, eleito em 2016 como o segundo advogado especializado mais admirado de Santa Catarina pelo anuário Análise Advocacia e indicado em 2020 como advogado na categoria "Prática Valiosa", no ramo do Direito Ambiental, pela revista francesa Leaders League.

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