opinião

Consequências jurídicas da ineficiência do Estado na vacinação contra a Covid-19

Autores

  • Bruna Spagnol

    é advogada especialista em Direito Processual Penal e doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Mar del Plata (Argentina).

  • Deyvison Emanuel Lima de Menezes

    é advogado doutorando em Direito pela Universidad Nacional de Mar del Plata (Argentina) especialista em Direito Civil e Processo Civil em Direito Administrativo e Direito e Processo do Trabalho.

12 de janeiro de 2021, 12h10

Inicialmente deve ser observado que o bem jurídico mais importante em nosso ordenamento jurídico é a vida, logo o Estado tem o dever de proporcionar todos os meios possíveis para a manutenção da vida, nos termos do artigo 5, caput, da CF/88.

Ademais, a Constituição é clara ao afirmar que a saúde é direito de todos e dever do Estado, consoantes o artigo 6, combinado com o 196, sendo assim, todos os entes possuem responsabilidade e competência jurídica para garantir a vida e a saúde da população.

Assim, no atual cenário em que vivemos, em que é notório que a Covid-19 se tornou uma pandemia, vemos que a maioria dos países entrou em uma "corrida" contra o tempo para desenvolver a vacina e, enquanto isso, foram aplicadas as medidas necessárias para tentar controlar a propagação do vírus.

Ocorre que no Brasil o governo federal, que deveria ter tomado as medidas cabíveis para tentar prevenir e minimizar os efeitos dessa patologia, desde o início, seja através da ampliação de leitos, investimento em pesquisas, medidas de prevenção ou aquisição de vacinas, quedou-se inerte e a atuação solitária e limitada contra o vírus foi dos governos estaduais.

Após várias pesquisas para encontrar a vacina mais adequada, a indústria farmacêutica conseguiu liberar os imunizantes, assim, já em dezembro de 2020 iniciou-se em diversos países estrangeiros a aplicação da vacina contra a Covid-19, atualmente são mais de 50 países que já estão aplicando-a, a exemplo de Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Rússia.

O que chama a atenção é o fato de países com o Produto Interno Bruto (PIB) menor do que o do Brasil já terem iniciado a vacinação, como Argentina, México e Chile, o que demonstra que a morosidade da vacinação no Brasil não é uma questão financeira, mas, sim, uma burocratização estatal, que vem se sobrepondo ao direito à vida.

Salienta-se que a cada dia que passa sem a aplicação da vacina o número de pessoas mortas só tende a se ampliar, além do fato de que diversos municípios já estão com todos os leitos em sua ocupação máxima, tendo em vista que já estamos vivendo uma segunda onda da Covid-19, ou seja, a morosidade da vacinação ocasiona o aumento no número de mortos e das despesas com a saúde.

Desse modo, acredita-se que o poder público deve relativizar a sua burocracia interna e contribuir para a aplicação imediata da vacina no Brasil, pois as vacinas estão dentro dos padrões internacionais, o que é exigido pela Anvisa, sendo assim, a solicitação de um processo interno desde o princípio caracterizaria o bis in idem e apenas causaria morosidade sem necessidade, já que as vacinas já estão dentro dos padrões exigidos.

A morosidade do Estado em fornecer a vacinação poderia gerar uma responsabilização cível por omissão, pois o Superior Tribunal Federal afirma que se o Estado encontra-se na condição de garante e, por omissão, cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tenha o dever de agir para impedi-lo, no caso em tela, seria o dever de fornecer a vacinação contra a Covid-19 que já matou milhões de pessoas, pressupõe um dever específico do Estado que o obriga a agir para impedir o resultado danoso.

Sendo assim, seria possível pleitear em face do Estado a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa, pois tinha o dever de agir e não o fez, assim, a omissão da Administração gera uma responsabilidade objetiva do Estado.

E mais, seria possível que uma família que teve seu ente querido vítima da Covid-19 devido à omissão do Estado pudesse pleitear na Justiça uma indenização utilizando como fundamento a teoria da perda de uma chance, desde que fique demostrado que a pessoa tinha uma chance real e concreta de não vir a falecer caso fosse vacinada.

Cumpre mencionar que atualmente não existe uma legislação nacional especifica sobre a perda de uma chance, ocorrendo com isso uma interpretação extensiva dos artigos 186, 187 e 927 e 948 e 949 do Código Civil, além da interpretação constitucional do artigo 5º, V, Constituição Federal de 1988.

Pode-se conceituar a perda de uma chance como a frustração de uma possibilidade concreta de evitar um prejuízo que deixou de se concretizar em virtude de um fato danoso, ou seja, trazendo para o tema em tela, havendo uma chance real de evitar a morte de uma pessoa caso esta fosse vacinada, sendo que essa chance foi furtada em razão da burocratização do Estado para a aplicação da vacina.

Portanto, conclui-se que se o Estado não agilizar a compra das vacinas e seus insumos, provavelmente irá haver uma grande demanda de ações contra a Administração federal, pois, além da indenização, a população irá atrás de obrigar o Estado a fornecer a vacina, já que no Brasil já se passou dos 200 mil mortos e o dever de garantir o direito à vida é do Estado, conforme prevê a Constituição Federal.

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