Opinião

Decisão do TCU sobre o uso de dispute board é um retrocesso

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12 de janeiro de 2021, 9h13

O Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou, no dia 9 de dezembro, com ressalvas, a concessão pelo Ministério da Infraestrutura dos projetos da BR 153/080/414/GO/TO e da BR-163/230/MT/PA. A BR-153 liga Anápolis (GO) a Aliança do Tocantins (TO), nas quais está previsto o investimento de R$ 7,8 bilhões, e, por sua vez, a BR-163 liga Sinop (MI) aos portos de Miritituba, no município de Itaituba (PA), rodovia considerada o principal corredor logístico do eixo norte do país.

A decisão do TCU (processos Nº 016.936/2020-5 e 018.901/2020-4) restringiu, porém, o uso de dispute boards — mecanismos alternativos, privados e administrativos nos casos dos contratos públicos, de solução de conflitos, que têm por objetivo auxiliar as partes a gerir os contratos, prevenir litígios intermináveis e dar efetividade à execução dos ajustes — para a solução de eventuais conflitos que surjam no decorrer do contrato, antes que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) regulamentasse a utilização desse mecanismo em contratos celebrados no âmbito da agência.

Os conselheiros entenderam que o mecanismo do dispute board não constaria em lei e não seria regulamentado pela ANTT, o que obstaria o seu uso nas concessões acima mencionadas, já que a lacuna normativa decorrente da ausência de regulamentação poderia causar questionamentos judiciais ou arbitrais por parte da concessionária, o que poderia macular toda a execução contratual. Contudo, ressalta-se que, embora tenham entendido pela não utilização dos dispute boards, os conselheiros permitiram o uso, no âmbito dessas mesmas contratações, de outros mecanismos extrajudiciais, como a arbitragem e a mediação, por exemplo, sob a justificativa de que ambos os mecanismos são regulamentados por leis específicas (Lei 9.307/1996, alterada pela Lei 13.129/2015, Lei 13.140/2015, respectivamente, e Resolução ANTT 5.845/2019).

Também questionaram se o instrumento de resolução de conflitos possui a agilidade necessária, uma vez que o comitê seria instituído de forma ad hoc, ou seja, somente quando houvesse um conflito — situação concreta excepcional e complexa — é que seriam recrutados os membros do referido comitê. Acreditam, assim, que tal mecanismo poderia vir a atrasar a solução do conflito. Desse modo, foi estabelecido pelo TCU que somente será aceito o dispute board após regulamentação adequada.

Entretanto, a decisão tomada pelo TCU é um retrocesso, conforme apontado pelo próprio ministro Benjamin Zymler, que ponderou que, mesmo que não exista previsão em lei até o momento quanto ao formato exato do dispute board, este segue a mesma lógica de outros mecanismos de resolução de conflitos já utilizados e regulamentados. Ademais, a ANTT somente utilizaria o mecanismo depois de estar devidamente regulamentado seu uso pela própria agência.

Como se não bastasse isso, a decisão ainda invade a competência da ANTT em decidir, conforme sua discricionariedade, sobre mecanismos de solução de controvérsias nos contratos por ela firmados.

Quanto ao mérito, mais uma vez, patente o desacerto da decisão dada pelo tribunal, especialmente porque há previsão legal para o dispute board, conforme o artigo 23-A da Lei Federal 8.987/1995 e o artigo 190 do Código Civil Brasileiro, o que permite inclusive o uso desse mecanismo em inúmeros outros casos, públicos e privados, como, por exemplo, a implantação da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Acórdão 1.947/2020-TCU-Plenário).

Além disso, a Nova Lei de Licitações, aprovada pelo Plenário do Senado Federal em 10 de dezembro e que pende apenas de sanção pelo presidente da República, mostrou-se completa e expressamente favorável à utilização do comitê de resolução de disputas — ou dispute board —, ratificando, portanto, o cenário de todo modo positivo para o uso do instituto pela Administração Pública brasileira nos mais diversos tipos de contratos.

Se não bastasse o cenário nacional favorável ao uso dos dispute boards nos contratos públicos, o cenário internacional há tempos já proclamou não só a possibilidade de sua utilização, mas também a obrigatoriedade da instituição do comitê em contratos financiados por alguns dos organismos internacionais de fomento, a exemplo do Banco Mundial, o qual exige a adoção de dispute board em contratos por ele financiados em valores superiores a 50 milhões de dólares.

Desse modo, é certo que a decisão do TCU é um retrocesso. Enquanto o mundo caminha no sentido do uso de mecanismos eficazes de gerenciamento dos contratos, especialmente os de infraestrutura de execução com complexidade elevada, a exemplo dos contratos de construção e reformas de estádios para a Copa do Mundo de 2014 e do contrato de construção da Linha 4 do Metrô de São Paulo, aqui caminhamos para a eterna cultura da judicialização que dia após dia demonstra que não é o litígio o meio hábil de se dar efetividade aos projetos de infraestrutura no país. Enquanto os órgãos de controle não acompanharem a evolução dos mecanismos efetivos de se garantir exequibilidade aos ajustes públicos, e se prenderem apenas aos seus formalismos, não haverá avanço na consecução dos projetos de infraestrutura no país — estes ficarão eternamente relegados às concepções ilusionistas ultrapassadas do que se pode entender por interesse público.

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