Opinião

A suspensão dos direitos políticos por improbidade e sua aplicação para o TSE

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11 de janeiro de 2021, 16h12

Parece-nos que milhões ainda se interessam pela essência do pleno exercício da democracia e compreendem que a melhor forma de debater e buscar a evolução do país para aquilo que desejam é por meio da política e do voto.

Nesse contexto é que a Justiça Eleitoral tem relevante papel ao assegurar o livre exercício desse direito, sempre com decisões transparentes, claras e fundamentadas, garantindo o equilíbrio na competição entre os candidatos concorrentes.

Assim, uma das hipóteses que mais demandaram reflexão das Cortes Regionais Eleitorais pelo país afora nas últimas eleições, e que ainda batem às portas do Tribunal Superior Eleitoral, diz respeito à causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, "l", da Lei Complementar 64/90, parte que trata da suspensão dos direitos políticos em desfavor daqueles que praticaram ato dolo de improbidade com lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

O Tribunal Superior Eleitoral vem reconhecendo a necessidade de cumulação de todos os requisitos, quais sejam: 1) condenação à suspensão dos direitos políticos; 2) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; 3) ato doloso de improbidade administrativa; e 4) lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Nesse contexto, o enunciado número 41 da súmula editada por aquela corte dispõe que a Justiça Eleitoral deve se ater ao tanto quanto decidido pelo órgão da Justiça comum ou dos Tribunais de Contas, não havendo que falar em revisão do mérito do decisum, somente cabendo verificar se na decisão condenatória estão presentes os requisitos preconizados na norma de inelegibilidade.

Inobstante o enquadramento alinhavado acima, surgiu tese relativa à não exigência da presença cumulativa do dano ao erário e do enriquecimento ilícito, lastreada em interpretação sistemática e teleológica da hipótese de inelegibilidade insculpida na alínea "l", que induziria à conclusão de que é suficiente para a incidência da referida norma o ato improbo que gere dano ao erário ou o ato improbo que importe em enriquecimento ilícito.

Bem da verdade é que, a despeito de o Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do REspe nº 4.932/SP, em 18/10/2016, ter sinalizado que poderia rever sua jurisprudência, que sempre entendeu pela necessária cumulação dos supramencionados requisitos, essa indicação de rediscussão restou escanteada em recentes julgados no final do ano passado (vide REspe nº 11.549/RJ).

De fato, parece-nos que tal entendimento melhor se amolda ao ordenamento jurídico pátrio. As normas de inelegibilidade impõem severa restrição a direito fundamental, desta feita, sua interpretação deve ser realizada de forma estrita, mostrando-se de difícil exegese eventual interpretação extensiva em dissonância com o que consagrou o legislador.

Ademais, já há leitura de que o dolo exigido para a improbidade administrativa não requer finalidades específicas, mas "apenas" a vontade consciente de praticar conduta em desacordo com os comandos legais e constitucionais. Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça já asseverou que "o dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica – ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas" (STJ, ED-AI n° 1.092.100/RS, rei. Mm. Mauro Campbell Marques, DJE de 31/5/2010).

De igual modo é o entendimento pacífico do Tribunal Superior Eleitoral que alude ao conceito de dolo genérico como o elemento subjetivo da conduta do administrador público que age em dissonância com as normas constitucionais e legais que regulam a sua atuação.

Na realidade, ao se apreciar o conceito de dolo encampado pelo Tribunal da Cidadania, ombreado pelo Tribunal Superior Eleitoral, percebe-se o alinhamento de nossas cortes ao princípio da juridicidade, cunhado pela doutrina contemporânea administrativa e já expressamente consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que de forma acertada dispõe que a Administração Pública não se vincula unicamente à lei em sentido formal, mas, sim, ao ordenamento jurídico como um todo, sendo o seu pilar central formado pelo sistema de princípios e regras delineados na Constituição Federal.

Nesse quadro é que se estrutura o conceito de dolo do agente público que atua de forma consciente e deliberada em contrariedade às normas constitucionais e legais. No entanto, é necessário distinguir com clareza uma questão. As cortes superiores, ao se referirem ao dolo genérico, estão tão somente assentando que não se exige do agente uma finalidade específica como a do enriquecimento ilícito ou o favorecimento de um terceiro. A bem da verdade, ao fazer alusão à inexigência do dolo específico, o Tribunal Superior Eleitoral está aludindo ao que a doutrina penal mais moderna entende como elementos subjetivos especiais do tipo, que normalmente revelam tendências, motivos ou intenções do autor.

Esta breve digressão é essencial para compreendermos que a adoção do "dolo genérico" no ato de improbidade administrativa não significa flexibilização do elemento intelectivo inerente ao dolo. Ou seja, é imprescindível para sua configuração que o agente infrinja de forma consciente e voluntária um dever jurídico que lhe é imposto pela lei ou pela Constituição.

Tanto é assim que, ao mencionar a assunção de riscos, o Tribunal Superior Eleitoral está claramente tratando do dolo eventual, hipótese em que o agente atua com plena consciência das circunstâncias concretas que permeiam o seu ato.

Nessa senda, é importante repisar que não se desconhece a inexigência de capitulação expressa no édito sancionatório para que se possa reconhecer o enriquecimento ilícito nos termos da norma de inelegibilidade. Entretanto, se por um lado não se exige a expressa capitulação, de outra sorte o enriquecimento ilícito deve se vislumbrar de forma clara na moldura fática consagrada pela justiça comum.

Repise-se, o enriquecimento ilícito disposto na Lei de Improbidade Administrativa se materializa com a obtenção de vantagem patrimonial indevida, necessariamente com repercussão positiva no patrimônio do agente.

Nessa esteira, conforme lição da ministra Rosa Weber, mesmo nos casos em que há dispensa ilícita de procedimento licitatório, o enriquecimento ilícito só existe quando os serviços deixaram de ser prestados ou tenham sido eventualmente superfaturados, vejamos:

"Na esteira dos diversos julgados desta Corte Superior, a dispensa indevida de licitação atestada a efetiva prestação de serviços e ausente notícia de eventual superfaturamento não acarreta, por si só, o enriquecimento ilícito, a atrair a causa de inelegibilidade objeto do art. 1°, 1, 1, da LC n° 64/1990, entendimento que, consideradas as nuanças do caso concreto, se mostra aplicável à espécie, não havendo falar em contrariedade à Súmula n° 41/TSE" (AgR-REspe n° 33-04/SP, ReI. Mm. Rosa Weber, DJe de 30.6.2017).

Em sentido convergente, o Tribunal da Cidadania compreende que o enriquecimento ilícito se demonstra quando há dispêndio de verbas públicas sem a devida contraprestação:

“Nesse aspecto, para que se possa cogitar da presença do enriquecimento ilícito do agente público ou de terceiro, seria necessário demonstrar a existência de ganho indevido, que ocorre, por exemplo, nos casos de superfaturamento ou quando há o pagamento de serviços não prestados ou aquisição de mercadoria não entregue, pois, na linha do entendimento do STJ, "se os serviços foram prestados, não há que se falar em devolução, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado"
(Resp 1.238.4661SP, Rel. Min. Mauro Campbell, DJE de 14.9.2011)

De igual maneira, em consonância com os princípios e normas que regem as regras de inelegibilidade, o enriquecimento ilícito deve ser percebido em face de elementos concretos presentes na decisão sancionatória, sendo vedada qualquer presunção ou uso de termos genéricos sem substrato nos autos para fins de reconhecimento deste elemento normativo, sendo pois o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral [1].

Assim, o elastério interpretativo das já numerosas causas de inelegibilidade, que ao fim e ao cabo geram maiores restrições aos candidatos sem expressa determinação para tanto, não nos parece caminho pavimentado sob ótica constitucional.

Inobstante o desejo de um ambiente político da mais alta qualidade técnica, permeado por representantes probos, a função da Justiça Eleitoral não deve ser a de inovar implementando óbices às candidaturas, pois, em assim agindo, imporia tal como à mulher de Cesar um dever de não só ser honesta, como também de parecer honesta.

 


[1] Agravo de Instrumento nº 41102, Acórdão, relator(a) min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 27, Data 7/2/2020, Página 56/57.

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