Opinião

Recebimento de bolsa de estágio não pode suspender seguro-desemprego

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8 de janeiro de 2021, 17h50

O programa do seguro-desemprego é um direito do trabalhador previsto no artigo 7º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, regulamentado pela Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990. Ele possui como finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, bem como auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional [1].

Contudo, para que se tenha acesso à percepção desse direito social, é necessário que o trabalhador tenha sido dispensado sem justa causa e que comprove os requisitos previstos no artigo 3º da mencionada lei, sendo estes:

"I – ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a: a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação; b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;
II – ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;
III – não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV – não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V – não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.

VI – matrícula e frequência, quando aplicável, nos termos do regulamento, em curso de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional habilitado pelo Ministério da Educação, nos termos do art. 18 da Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ofertado por meio da Bolsa-Formação Trabalhador concedida no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), instituído pela Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ou de vagas gratuitas na rede de educação profissional e tecnológica" (grifo da autora).

Isso posto, se questiona se a bolsa recebida em razão da realização de estágio não obrigatório caracterizaria renda satisfatória para a manutenção familiar, gerando óbice ao recebimento do benefício, uma vez que existem divergências de entendimentos acerca da possibilidade de perceber o seguro-desemprego enquanto se aufere uma bolsa auxílio referente à estágio não obrigatório. De acordo com o inciso V do artigo 3º da lei regulamentora do benefício, o indivíduo não pode possuir renda de qualquer outra natureza para que seja possível ter acesso ao seguro.

Assim, inicialmente, é de se destacar que o estágio é uma modalidade de trabalho e não de emprego, conforme discorre Sérgio Pinto Martins [2]:

"O estágio não é uma modalidade de emprego, mas de trabalho, em que se prevalece a característica de formação profissional. A educação é um direito de todos e dever do Estado e da família. É promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (artigo 205 da Constituição).

Desse modo, por não ser uma modalidade de emprego, consequentemente, não há vínculo empregatício, tampouco remuneração. A despeito disso, cabe salientar que a Lei nº 11.788/2008, que dispõe acerca do estágio dos estudantes, assegura em seu artigo 12 que, na hipótese de estágio não obrigatório, o estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio-transporte. Ainda, a bolsa não possui natureza salarial e sobre ela não incidem contribuições previdenciárias.

Com relação à bolsa que é devida no caso de realização de estágio não obrigatório, destaca a Associação Brasileira de Estágios (Abres) [3] que o seu objetivo é motivar e reter um talento interessado em aprender cada vez mais. Ou seja, seu propósito seria de incentivar o estudante a crescer em sua área e auxiliar nas despesas estudantis, bem como em seu transporte e alimentação, não sendo suficiente para subsistência do estagiário e de sua família.

Acerca da possibilidade de percepção do benefício do seguro-desemprego enquanto se recebe uma bolsa auxílio em decorrência da realização de estagio não obrigatório, a Abres [4] também já se posicionou:

"Tecnicamente, a ação não é ilegal, mas é imoral. O favorecido não deve ter nenhuma renda própria, de qualquer fonte, suficiente para manter a si e seus dependentes. Porém, o ato escolar educativo não obrigatório confere uma bolsa-auxílio, cujo valor é bastante variado dependendo da empresa. Se for abaixo do salário mínimo, o estagiário poderá obter as parcelas do seguro normalmente. Do contrário, ele fica passível de ter problemas com a Justiça Federal" (grifo da autora).

Nesse mesmo sentido, também já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, aplicando o salário mínimo como critério:

"ADMINISTRATIVO. SEGURO-DESEMPREGO. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. PERCEPÇÃO DE BOLSA ESTÁGIO. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. – O Programa de Seguro-Desemprego objetiva prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, bem como ao trabalhador resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo (art. 2º, I, da Lei n. 7.998/90). – Exercendo o requerente estágio remunerado e tendo a bolsa auxílio valor superior ao salário mínimo nacional, que por presunção destina-se à manutenção grupo familiar(CF, art. 7º, inciso IV), não se pode afirmar não tenha renda de qualquer natureza, pelo que desatendido o requisito previsto no inciso V da Lei 7.998/90 – Sentença reformada" [5] (grifo do autor).

Extrai-se, portanto, que a Abres e o TRF-4 adotaram o salário mínimo como parâmetro para verificar a possibilidade de receber o seguro-desemprego junto com a bolsa de estágio. Ou seja, se o valor da bolsa do estágio for inferior a um salário mínimo, entende-se que não há óbice para receber o benefício, porém, se o valor for igual ou superior a um salário mínimo, não seria possível perceber o seguro, tendo em vista que se pressupõe que o valor é o suficiente para a manutenção do indivíduo e de sua família, violando, portanto, o disposto no inciso V do artigo 3º da lei que regulamenta o seguro-desemprego.

Contudo, a escolha do salário mínimo como critério para averiguar se o valor da bolsa é satisfatório para custear a assistência familiar não seria a mais adequada, uma vez que um valor ínfimo poderia diferenciar o estagiário que poderia receber o seguro em concomitância com a bolsa do estágio daquele que não poderia.

Em contrapartida, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região adotou uma posição mais precisa, sendo que já decidiu que, independentemente do valor da bolsa, o estágio profissional remunerado é agente qualificador do empregado e suspende o seguro-desemprego:

"ESTÁGIO PROFISSIONAL REMUNERADO. SUSPENSÃO DO SEGURO-DESEMPREGO. HIPÓTESE DA LEI N.º 7.998/1990. O estágio profissional remunerado é agente qualificador do empregado e suspende o seguro-desemprego, uma vez que o intuito da lei instituidora desse benefício é prover o mínimo substancial para que o trabalhador, por interregno determinado, possa buscar outro contrato de trabalho condizente com a sua qualificação e remuneração. (Interpretação integrativa dos artigos 2º, 2º-A, 7º e 8º da Lei n.º 7.998/1990.)" [6]

Nota-se, portanto, que não há uma unanimidade acerca da possibilidade de receber o seguro-desemprego simultaneamente com a bolsa auxílio de estágio não obrigatório, tendo em vista as divergências nas decisões e que, também, não há uma norma específica regulamentadora dessa problemática. Porém, há um certo consenso acerca do salário mínimo como critério para estabelecer se o valor da bolsa do estágio se caracterizaria renda satisfatória para a manutenção familiar, gerando óbice ao recebimento do seguro-desemprego, em que pese a finalidade da bolsa estágio tenha caráter educacional, e não de substância do indivíduo.

 


Referências bibliográficas
— ARONE JUNIOR, Seme. Como estabelecer o valor da bolsa-auxílio? ABRES. Disponível em: <https://abres.org.br/2019/04/25/como-estabelecer-o-valor-da-bolsa-auxilio/>. Acesso em: 18 out. 2020.

— ARONE JUNIOR, Seme. Quem recebe seguro-desemprego pode fazer estágio? ABRES. Disponível em: <https://abres.org.br/2018/09/13/quem-recebe-seguro-desemprego-pode-fazer-estagio/>. Acesso em: 18 out. 2020.

— BRASIL. Lei 7998, de 11 de janeiro de 1990. Regula o Programa do Seguro – Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7998.htm>. Acesso em: 18 out. 2020.

— BRASIL. Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis nº 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida Provisória nº 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm>. Acesso em: 18 out. 2020.

MARTINS, Sérgio Pinto. Estágio e relação de emprego. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012.


[1] BRASIL. Lei 7998, de 11 de janeiro de 1990. Regula o Programa do Seguro – Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7998.htm>. Acesso em: 18 out. 2020.

[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Estágio e relação de emprego. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012.p.14.

[3] ARONE JUNIOR, Seme. Como estabelecer o valor da bolsa-auxílio? ABRES. Disponível em: <https://abres.org.br/2019/04/25/como-estabelecer-o-valor-da-bolsa-auxilio/>. Acesso em: 5 jan. 2021.

[4] ARONE JUNIOR, Seme. Quem recebe seguro-desemprego pode fazer estágio? ABRES. Disponível em: <https://abres.org.br/2018/09/13/quem-recebe-seguro-desemprego-pode-fazer-estagio/>. Acesso em: 18 out. 2020.

[5] TRF4 5005497-98.2019.4.04.7208, QUARTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 20/10/2019.

[6] TRT12 0001720-38.2011.5.12.0040, TERCEIRA CÂMARA, Relator GILMAR CAVALIERI, juntado aos autos em 8/5/2012.

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