Opinião

Honorário advocatício é coisa sagrada

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8 de janeiro de 2021, 12h08

Durante cinco longos anos, o Congresso Nacional se debruçou na elaboração do novo Código de Processo Civil. Depois de muitas idas e vindas, negociações, conversas, votações nas duas Casas do Legislativo, finalmente foi aprovado numa sessão do Senado em 17 de dezembro de 2014, substituindo o antigo que era de 1973. O CPC já tinha passado pelo crivo da Câmara em março, foi o primeiro código processual elaborado e votado no regime democrático e entrou em vigor em março de 2016.

Produzir um código, seja ele qual for, não é pouca coisa. A começar pela sua tramitação, que requer uma comissão própria, o que indica que esta não é uma matéria simples, cotidiana, ordinária como a maioria das proposições propostas e apreciadas no Congresso. Os códigos são um conjunto de regras de conduta ou procedimentos e, nesse caso, o CPC é a lei que regula o processo judicial civil, ou seja: a regra do jogo.

Uma vez definida a regra do jogo, jogo jogado e ponto final. Não se pode mudá-la, fazer qualquer tipo de releitura, interpretação ou qualquer outra coisa diferente do que está escrito. É para cumprir. Simples assim. Mas, infelizmente, muitas vezes não é o que acontece. Um dos melhores exemplos disso é a possibilidade de fixação equitativa de honorários quando a causa possuir valores altos. A discussão desse tema na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça continua alimentando debates e exaltando ânimos.

E não poderia ser de outra forma, porque essa hipótese não encontra amparo legal, visto que o parágrafo 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil apenas a aplica quando for "inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo". Qualquer interpretação, entendimento ou releitura fora do que diz expressamente a letra da lei é passar por cima de um diploma legal, cujo primeiro passo para sua elaboração foi dado pela comissão de magistrados nomeada pelo então presidente do Senado, José Sarney, e comandada pelo ministro Luiz Fux, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal.

No julgamento do Resp 1.644.077-PR, ocorrido em 18 de novembro, a ministra Nancy Andrighi proferiu voto, acompanhando o relator, ministro Herman Benjamin, de forma favorável à União, pela possibilidade de arbitramento dos honorários por equidade também nos casos de alto valor da causa, o que não está previsto em lei. O julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista dos ministros Og Fernandes e Raul Araújo.

Numa outra decisão, esta do primeiro semestre do ano passado, o ministro Benedito Gonçalves se posicionou favoravelmente ao arbitramento de honorários por sucumbência nos casos em que os valores sejam considerados exorbitantes. O ministro argumentou que a 1ª Turma do STJ já decidiu no sentido de que o novo regramento sobre fixação de honorários a partir da apreciação equitativa, tal como estipulado no parágrafo 8º do artigo 85 do CPC, "não é absoluto e exaustivo, sendo passível de aplicação em causas em que o proveito econômico não é inestimável ou irrisório, ou, ainda, em que o valor da causa não é muito baixo". Do contrário, "estar-se-ia diante de um excessivo apego à literalidade da lei".

Não existe apego excessivo à literalidade da lei. Existe a lei. E, no caso desta, produzida depois de cinco exaustivos anos de trabalho, os quais contaram com o esforço e colaboração de magistrados, advogados e, principalmente, congressistas eleitos pelo povo. Não se pode julgar a lei e condená-la sob acusação de excessos quando o maior risco de aceitar interpretações é justamente o da injustiça, o de se usar dois pesos e duas medidas para situações análogas.

Como ex-desembargador do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), não me canso de repetir que os magistrados são escravos da lei, jamais seus senhores, não sendo a eles permitido ignorar o estrito cumprimento do diploma legal. Juiz, seja de qual instância for, não pode ceder às tentações de mudar a forma de aplicar a lei, simplesmente porque não tem prerrogativa legal para tanto, não foi investido do mandato popular de legislador, nem tampouco tem o poder de veto de um chefe do Poder Executivo.

O Conselho Federal da OAB tem acompanhado de perto as controvérsias envolvendo honorários e se prepara para lançar a Campanha Nacional de Valorização dos Honorários Advocatícios e Cumprimento do CPC. Esse movimento deverá contar com a participação de todos os advogados do país, em virtude da relevância do tema, e desde já manifesto meu total apoio e solidariedade. Honorários são sagrados, é aquilo que ganhamos pelo nosso trabalho e, portanto, entendo inaceitável que sejam manipulados a partir de perigoso desvirtuamento da aplicação do nosso CPC.

Por isso, essa campanha é necessária e evidencia a necessidade de defesa dos direitos de toda a classe. A possibilidade de fixação de honorários por equidade com o objetivo de minorar valores recebidos por advogados constitui uma afronta ao princípio da legalidade, bem como uma fuga da função original do Judiciário, qual seja aplicar as leis e decidir de forma fundamentada, com base no diploma legal. Os advogados não podem assistir inertes às tentativas de revogação do parágrafo 8º do artigo 85 do CPC. Não se trata de defendermos apenas um direito à integridade dos nossos honorários, mas também uma regra do jogo igual para todos.

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