Retrospectiva 2020

Redução de capital da pessoa jurídica: separando o joio do trigo

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6 de janeiro de 2021, 10h05

Alguns dos casos de maior valor atualmente em discussão no Carf tratam da prerrogativa prevista no artigo 22 da Lei nº 9.249/95, que permite a devolução ao acionista de participação no capital social de pessoa jurídica com base no valor contábil ou de mercado dos respectivos bens e direitos. Se ativos forem devolvidos ao acionista a valor de mercado, a lei prevê que a diferença entre este e o valor contábil seja tributada a título de ganho de capital da própria pessoa jurídica. Caso bens ou direitos sejam entregues ao acionista a valor contábil, não deve haver incidência de IRPJ e CSLL sobre a operação societária. A controvérsia sobre essa regra surge quando o acionista, que tenha recebido ativos avaliados a valor contábil na devolução de capital social, posteriormente os aliena a terceiros.

Diante da diversidade de regimes tributários para a apuração do ganho de capital, é possível que a posterior venda de tais bens ou direitos a terceiros em condições de mercado, realizada pelo acionista, seja tributada de maneira menos onerosa em comparação com vendas de ativos realizadas pela pessoa jurídica que teve o seu capital reduzido. Se o acionista for uma pessoa física, por exemplo, o ganho de capital poderia ser tributada pelo IRPF com alíquotas progressivas de 15% a 22,5%, enquanto a tributação do ganho de capital da pessoa jurídica pode chegar a aproximadamente 34%, considerando o IRPJ e a CSLL.

Em boa parte dos casos envolvendo essa matéria, a fiscalização tem desconsiderado a redução de capital realizada com base no artigo 22 da Lei nº 9.249/95 e exigido o pagamento de IRPJ e CSLL da pessoa jurídica, como se ela — e não o seu acionista que recebeu o ativo como devolução de capital — houvesse realizado a venda dos bens ou direitos a terceiros. Temos observado que essas autuações envolvem alegações de ausência de "propósito negocial" para a redução do capital social, "planejamento tributário abusivo", não observância de hipóteses restritas de redução de capital previstas pela Lei das Sociedades Anônimas, ou mesmo a acusação de simulação, fraude ou conluio. Em muitos casos, há também a aplicação da multa qualificada de 150%, responsabilização de gestores da pessoa jurídica e representação fiscal para fins penais.

A experiência mostra que cada caso é um caso, com suas próprias peculiaridades. Algumas vezes, notamos que realmente a negociação que levou à alienação do ativo se deu pela pessoa jurídica, cuja assembleia apenas decidiu reduzir o seu capital a algum de seus acionistas para que este posteriormente concretizasse a alienação já compromissada, com o único objetivo de alcançar um menor ônus tributário global sobre a operação. Outras vezes, há uma série de outras variáveis envolvidas e ambiente de boa-fé em todos os atos praticados, cujos efeitos fiscais traçados pelo legislador deveriam ser respeitos pela fiscalização. Mas será que o Carf tem conseguido distinguir uma situação da outra, separando o joio do trigo?

Em alguns acórdãos das turmas ordinárias do Carf, nota-se a negativa apriorística à regra prevista pelo artigo 22 da Lei nº 9.249/95 sempre que houver a venda posterior do bem ou direito recebido pelo acionista a título de redução de capital. Por sua vez, outras turmas ordinárias têm cancelado as autuações fiscais baseadas em suposta ausência de propósito negocial, adotando o entendimento de que a redução de capital a valor contábil representaria uma opção fiscal praticamente absoluta, criada justamente para viabilizar a escolha, por parte do contribuinte, quanto ao momento da tributação, que poderia se dar em razão da transferência do ativo ao acionista por valor de mercado ou, ainda, no momento da alienação do ativo a terceiros em condições de mercado (ou seja, na hipótese em que a redução de capital ocorresse a valor contábil).

No âmbito da Câmara Superior de Recursos Fiscais, competente para dirimir a divergência de entendimento entre as turmas ordinárias do Carf, é possível notar sensível amadurecimento sobre a matéria, embora ainda tenhamos poucos casos julgados. Entre os casos que poderíamos mencionar, vale destacar o Acórdão nº 9101-004.709 ("caso SSTowers"), de janeiro de 2020, por evidenciar como os detalhes de cada caso concreto devem ser sempre considerados com muita atenção.

Ao analisar o caso, o conselheiro relator decidiu manter a autuação, com a exigência ganho de capital da pessoa jurídica. Em seu entendimento, especialmente em razão da proximidade temporal entre as operações de redução de capital e alienação (aproximadamente 30 dias), "seria razoável inferir que o detentor original do ativo (Contribuinte) e o adquirente estivessem conversando anteriormente, e que, dada a complexidade, tais tratativas teriam se iniciado em momento anterior à cisão parcial". Ou seja, o fato de as operações terem ocorrido em sequência e em um curto espaço de tempo seria suficiente para demonstrar que a venda teria sido realizada pela pessoa jurídica e não pela pessoa física, o que justificaria a tributação mais gravosa sobre a pessoa jurídica.

No entanto, a maioria do colegiado da Câmara Superior divergiu do relator, determinando o cancelamento do auto de infração. Entre os fundamentos para julgamento favorável ao contribuinte, os julgadores consideraram que a devolução do capital ao sócio seria justificada pela divergência de entendimento dos acionistas quanto aos rumos do negócio. A fim de satisfazer aos reclamos de um dos sócios, teria sido acordada a cisão de parcela do patrimônio a ele atribuível, que posteriormente teria realizado a alienação a um terceiro, sem que tal negócio subsequente resultasse em qualquer impacto à atividade da empresa.

Em 2021, quando voltarmos à normalidade das atividades do Carf, parcialmente suspensas por medidas salutares de contenção à Covid-19, saberemos como os julgadores desse tribunal lidarão com as peculiaridades de cada um dos casos relacionados a essa matéria. Caberá ao contribuinte de boa-fé demonstrar os detalhes do seu caso e, aos julgadores, manter coerência na distinção dos casos legítimos e cumprir os propósitos desse tribunal tão importante ao país.

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