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O marco regulatório do saneamento e as decisões dos tribunais superiores

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4 de janeiro de 2021, 9h12

O marco regulatório do saneamento básico brasileiro (Lei Federal nº 14.026/2020) alterou sete dispositivos legais, entre os quais se destaca a Lei Federal nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.

Para o bojo dessa lei, o novo marco trouxe previsão de metas de expansão e de qualidade na prestação dos serviços nos contratos de concessão; repartição de riscos e regularização de fontes de receitas alternativas, além da instituição de mecanismos para a busca da universalização e continuidade do serviço; disposições regrando a prestação regionalizada do serviço de saneamento e o prazo de transição para adequação dos antigos contratos já pactuados.

A prestação regionalizada do serviço, prevista nos novos artigos 3º, 8º e 8º-A da Lei Federal nº 11.445/07, permitirá, por meio de adesão voluntária, o atendimento a pequenos municípios do interior, com poucos recursos, sem cobertura de saneamento e com baixa sustentabilidade da prestação dos serviços, por meio da formação de grupos, ou blocos de municípios, que poderão contratar os serviços de forma coletiva. Dessa forma, permite-se que uma mesma empresa prestadora de serviço atenda conjuntamente a cidades maiores e municípios menores.

Algumas leis estaduais já determinavam a criação de blocos regionais, porém fundamentadas na dependência estrutural dos recursos hídricos de seus integrantes.

Um exemplo da referida legislação estadual é a Lei Complementar nº 48/2019, do Estado da Bahia, que, a contrario sensu, estabelece a criação de blocos regionais sem a observação do Estatuto das Metrópoles (Lei Federal nº 13.089/15), bem como da regra do artigo 3º, inciso XIV, da Lei Federal nº 11.445/07. Isso levou, inclusive, ao seu questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF), mediante Ação Direta de Constitucionalidade (ADIN) nº 6.339-BA, especialmente por essa suposta invasão na competência municipal.

Ao avaliar o caso da referida ADIN, percebe-se que a proposta de regionalização do estado da Bahia, com a divisão em 21 microrregiões de saneamento básico, não veio acompanhada de avaliações técnicas relativas às bacias hidrográficas, à disponibilidade de recursos naturais e à relação de dependência entre um município, em termos de compartilhamento de estrutura operacional e/ou de recursos naturais.

Por sua vez, o texto aprovado pelo marco regulatório vem na linha do entendimento já exarado pelo STF em outra oportunidade (ADI nº 1.842/RJ), em que se permitiu a criação de blocos regionais, desde que verificada a existência de interesse comum do serviço de saneamento básico, "assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supra municipais".

Quando se avaliam as decisões já proferidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que envolvem a área de saneamento, verifica-se que um dos temas já enfrentados pelo referido tribunal, e que ensejou em ajuste normativo com o marco regulatório, foi a tipificação da definição de que os serviços públicos de esgotamento sanitário são aqueles constituídos por uma ou mais das seguintes atividades: coleta, incluída ligação predial, dos esgotos sanitários; transporte dos esgotos sanitários; tratamento dos esgotos sanitários; e disposição final dos esgotos sanitários e dos lodos originários da operação de unidades de tratamento coletivas ou individuais de forma ambientalmente adequada, incluídas fossas sépticas.

Tal ajuste normativo foi considerado em razão dos questionamentos referente à legalidade da cobrança de tarifa de saneamento, em valor integral pelo serviço de esgotamento sanitário, quando detectada a ausência ou deficiência de parte de uma das atividades inerentes ao saneamento, especialmente no tocante ao tratamento dos resíduos coletado, pela empresa prestadora de serviço, junto ao STJ.

Pelo entendimento exarado pelo referido Tribunal (Resp 1.339.313 / RJ), chegou-se à conclusão de que "cobrança em valor integral pelo serviço de esgotamento sanitário, ainda que não se verifique todas as etapas do processo" é legal. Assim, mesmo quando detectada a ausência ou deficiência de alguma etapa do serviço, se outros serviços caracterizados como de esgotamento sanitário foram disponibilizados aos consumidores a cobrança pode ser feita. Principalmente porque não há disposição legal que estabeleça que "o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de uma só ou de algumas dessas atividades". Esse entendimento foi traduzido no artigo 7º do novo marco regulatório, quando altera o artigo 3º-B da Lei Federal nº 11.445/2007.

Certamente outros assuntos serão levados para discussão nos tribunais superiores quando da efetiva aplicação do novo marco regulatório na realidade fática brasileira. O que se espera, contudo, é que o referido marco seja eficiente e efetivo em sua aplicação e que realmente alcance as metas ali estabelecidas.

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