Opinião

John Rawls e sua visão de justiça

Autor

  • Hioman Imperiano de Souza

    é magistrado instrutor do Tribunal de Justiça da Paraíba pesquisador professor universitário de graduação e pós-graduação em Direito (FTM/EESAP) doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte especialista em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba Escola Superior da Magistratura (ESMA/PB) e Fundação Superior do Ministério Público (FESMIP/PB).

4 de janeiro de 2021, 14h09

Em fevereiro de 1921, na cidade de Baltimore (Estado de Maryland, nos EUA), nasce o professor de Filosofia Política da Universidade de Harvard e da Universidade de Cornell John Rawls, tendo falecido nos idos de 2002, cujo destaque do estudo "Uma Teoria da Justiça", no ano de 1971, foi elementar para as atuais discussões acerca de Direito e Justiça, em que Rawls se mostra favorável à instituição do well-fare state liberal e democrático em oposição ao socialismo igualitário.

Rawls passou grande parte de sua vida acadêmico-profissional dedicado a reflexões sobre a justiça, a equidade e os princípios morais, pois vivenciou épocas de forte segregação racial, as quais influenciaram sobremaneira seu modo crítico de pensar as referidas temáticas.

No seu percorrer, Rawls, ao invés de analisar diretamente conceitos morais, buscou delinear um procedimento genérico para a tomada de decisão moral embasado nos esquemas kantianos.

A proeminência de sua obra "Uma Teoria da Justiça" fixou um verdadeiro marco na filosofia política do final do século passado, no mundo ocidental, cujo objetivo era elaborar uma teoria da justiça como equidade que se apresente como alternativa ao utilitarismo em suas diversas versões [1]

No observar rawlseniano, só haverá justiça quando a mesma for considerada justiça em consonância com alguns ditames principiológicos de igualdade, em que dois são os princípios fundamentais de justiça, precisamente a liberdade e a igualdade.

Acerca da liberdade, para Rawls as pessoas indistintamente possuem as mesmas necessidades para liberdades de base; já no que tange à igualdade, tem-se que as desigualdades sócio-econômicas carecem de ser organizadas de maneira que, simultaneamente, sejam vantajosas para todos, dentro dos limites da razoabilidade e desde que acopladas a posições tidas como acessíveis genericamente.

"Procuramos de fato é uma divisão institucional do trabalho entre a estrutura básica e as regras aplicáveis diretamente aos indivíduos e às associações, que eles devem seguir nas suas transações particulares. Se a divisão do trabalho puder ser estabelecida, os indivíduos e associações estarão livres para buscar suas metas de forma mais eficaz, no âmbito da estrutura básica, com a segurança de saber que, em outra parte no sistema social, são efetuadas as correções para garantir a justiça do contexto" [2]

Essa ideia de justiça como equidade pressupõe justamente o fato de que as pessoas, uma vez dotadas de racionalidade, percebem e aceitam a posição original de igualdade para se associarem, com o fito de doravante desenvolverem seus próprios interesses.

Vale dizer que, quando se assume tal posição original, chega-se a um denominador da percepção do justo, de vez que estariam pressupostos aí princípios primordiais.

E é com fulcro nesse pensamento que Rawls busca garantir que os consensos básicos sejam estabelecidos de maneira equitativa, ou seja, que aqueles acordos acerca dos princípios básicos no interior da estrutura básica social sejam justos e garantam uma cooperação social para seus cidadãos.

Complementarmente, em outra obra denominada "Justiça como Equidade", Rawls descreve como devem ser vistos estes acordos:

"1) É hipotético na medida em que nos perguntamos o que as partes (conforme foram descritas) poderiam acordar, ou acordariam, e não o que acordaram. 2) É ahistórico na medida em que não supomos que o acordo tenha sido concertado alguma vez ou venha a ser celebrado. E mesmo que fosse, isso não faria nenhuma diferença" [3].

No modo de pensar rawlseniano, tenta-se colocar a equidade como instrumento de operação da justiça, trazendo como ponto central a ideia de superação da carência teórica da filosofia moral que reinava no seu país, combatendo principalmente o pensamento utilitarista que priorizava o bem em relação ao justo.

Nota-se que Rawls, de certa forma, adota uma postura deveras contratualista, embora bem mais abstrata que o contratualismo classicista, embora com forte influência dos pensamentos de Locke, Rousseau e Kant, trazendo à lume um conceito de justiça que emerge a partir de um consenso original e desenvolve princípios para alicerçar uma sociedade.

Em verdade, é plausível se afirmar que há um certo rechaço do modelo utilitarista, teoria cujas regras morais da justiça são mais imperativas, embora admitidas algumas exceções, pois entende que a justiça não é legítima se for existente apenas para uma parcela da população.

A justiça como equidade, nesse diapasão, opera-se com uma noção pública da justiça específica de uma sociedade bem ordenada, denotando-se o interesse em encontrar princípios que sejam defensáveis por um grupo de seres racionais em uma situação de igualdade inicial, de modo que tão somente é a partir deste ponto que esses seres poderão ter a capacidade de se colocarem de acordo e decidirem imparcialmente.

Para tanto, a aceitabilidade dos princípios de justiça resulta na subscrição de uma ideia de bem comum, porque o que obriga a estabelecer certos procedimentos específicos, visando a garantir a equidade, é uma determinada compreensão da vida humana, logo, uma concepção de bem.

Podemos elencar, dessa feita, algumas características principais da teoria da justiça de Rawls, precisamente: o contrato inicial, a visão de justiça como equidade, os princípios e a própria Constituição.

Outro ponto relevante da teoria da justiça elaborada por Rawls é o caráter de liberal da justiça, tendo como marcante a premissa referente à criação de um ponto de partida originário ideal para se pensar em normas mais justas, que ele denomina de "véu da ignorância", em que deveria ser incorporado ao ente legiferante e julgador como um mecanismo de não se deixar impregnar dos paradigmas sociais e culturais já sedimentados.

É nesse patamar que a concepção de justiça caminha pari passu com o respeito aos direitos fundamentais, haja vista que, para que se pudessem formular conceitos justos de justiça, as pessoas, após incorporarem o "véu da ignorância", deveriam observar o princípio que garantisse um "mínimo de liberdade individual". Dá-se, portanto, relevância aos direitos negativos, também tidos como de liberdade, liberais, ou de primeira dimensão, tais quais os direitos políticos, v.g..

"Uma vez que a concepção apropriada da justiça foi estabelecida consensualmente, o véu da ignorância foi em parte retirado. As pessoas na convenção não tem, naturalmente, nenhuma informação a respeito de indivíduos específicos: elas não conhecem sua própria posição social, seu lugar na distribuição de dotes naturais ou sua concepção de bem. (…) Tendo conhecimento teórico e conhecendo os fatos genéricos apropriados a respeito de sua sociedade, devem escolher a constituição justa mais eficaz, que satisfaça os princípios de justiça e seja a mais bem projetada para promover uma legislação eficaz e justa" [4]

Ainda nessa mesma toada, Rawls menciona a importância da igualdade de condições a fim de que se possa chegar a determinada posição social. Constata-se uma necessidade de disponibilização dos direitos sociais, culturais e econômicos em qualquer sociedade, para que se alcancem normas e justiça legítimas.

Consoante Rawls, o que determina a justiça ou injustiça do caráter das pessoas é a maneira qual as mesmas vivenciam e lidam com os fatos sociais, pois a desigualdade pode até existir, todavia, na elaboração legislativa os desfavorecidos deverão estar sempre incluídos.

Sinteticamente, a justiça na forma de equidade não se perfaz como um tipo filosófico moral aplicado, mas um verdadeiro conceito político de justiça.

"Conceber o político como um domínio específico nos permite dizer que uma concepção política que formula seus valores básicos característicos é uma visão autônoma. Isso significa duas coisas: primeiro, que se destina a ser aplicada, antes de tudo, apenas à estrutura básica da sociedade; e, em segundo lugar, que formula os valores políticos característicos sem recorrer ou mencionar valores não-políticos independentes. Uma concepção política não nega a existência de outros valores que se aplicam às associações, à família e à pessoa; tampouco afirma que os valores políticos são totalmente separados desses valores e sem qualquer relação com eles" [5]

Em suma, com Rawls se busca a concretização da igualdade, da equidade, de um modelo de construção humana o qual traga benefícios gerais, consubstanciando-se em um modelo governamental por princípios garantidores da liberdade e da igualitária distribuição de direitos e obrigações.

 


[1] RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 2000 (Revised Edition), p.25.

[2] RAWLS, J. Justiça e Democracia. Trad. Irene A. Peternot. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 17.

[3] RAWLS, J. Justiça como Eqüidade: uma reformulação.Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 23.

[4] RAWLS, J. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Piseta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 213.

[5] RAWLS, J. Justiça como Eqüidade: uma reformulação.Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 260.

Autores

  • é magistrado instrutor do Tribunal de Justiça da Paraíba, pesquisador e professor universitário de graduação e pós-graduação em Direito (FTM/EESAP), doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e especialista em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Escola Superior da Magistratura (Esma-PB) e Fundação Superior do Ministério Público (Fesmip-PB).

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