Opinião

Breves considerações sobre o contrato de honorários advocatícios

Autor

  • José Henrique Lara Fernandes

    é advogado militante no Rio de Janeiro ex-professor de Direito Empresarial e Processual da Universidade Candido Mendes com mestrado em Justiça e Cidadania pela antiga Universidade Gama Filho autor do livro "A Fundamentação das Decisões Judiciais" editado em 2005 pela Forense Editora e de capítulo do livro denominado "Direitos Processuais e Direitos Fundamentais" publicado no mesmo ano pela editora Lumen Juris além de outros artigos publicados no Jornal Valor Econômico e na Tribuna da OAB/RJ.

4 de janeiro de 2021, 17h07

Enquanto preparo arroz com lentilha entre um copo e outro de vinho, em uma passagem de ano marcada por séria crise sanitária e econômica, e em meio a uma pandemia, me vem à mente uma breve retrospectiva desses 30 anos de profissão no front de batalha dos tribunais, a defender direitos alheios e tentar sobreviver mantendo a ética e a boa técnica em prol dos meus clientes, acrescida da experiência, nossa maior aliada como compensação dos anos que não voltam, e da inevitável chegada da velhice.

Não entrarei aqui em aspectos filosóficos das relações advogado-cliente, e também dispensarei qualquer reflexão sobre a natureza humana, por se tornarem inúteis diante da objetividade que deve ter um bom contrato de honorários, porque de nada adianta ser um vencedor nas demandas e um perdedor na cobrança de seus honorários. Então vai aí minha modesta contribuição para os mais jovens: não entrem em nenhum processo sem um bom contrato escrito de honorários com o seu cliente.

Nosso sistema processual consagrou o princípio de que a parte que busca o Judiciário deve adiantar as custas do processo ao Estado, e arcar com os honorários de seu advogado ab initio. Aí começa o problema. Na vida em geral (e no mundo dos negócios em especial), as pessoas têm o livre arbítrio de fazer o que bem entenderem, desde que se comportem dentro da lei. Sempre que alguém transgride, esse ônus recai sobre os ombros do próprio transgressor, ou de outros prejudicados, em primeiro plano. A figura do advogado vem em segundo plano, aconselhando, conciliando e, em último caso, levando ao Judiciário o problema que ele não criou, não presenciou e não tomou parte, agindo apenas como uma espécie de preposto do Estado, mas sem remuneração paga pelo poder público. Daí por que a parte envolvida na transgressão deve arcar com esses custos inicialmente. No âmbito do Estado, que vai dar solução ao litígio, todos são remunerados mensalmente pelos cofres públicos, ao contrário do advogado, mas as custas devem ser recolhidas no início sob pena de nem se ter um processo (sem custas o processo não se constitui nem vai à frente).

Muito embora prevaleça o princípio da livre contratação em matéria de honorários advocatícios, e não obstante as inúmeras tabelas habitualmente publicadas pelo órgão que disciplina a atuação profissional (OAB), a pergunta fundamental a ser respondida é: como contratar honorários com o cliente?

Sabe-se que as custas do processo são tabeladas e editadas anualmente pelos tribunais. A tabela de honorários mínimos da OAB também é editada anualmente, mas serve mais como parâmetro para aquelas causas e procedimentos de difícil quantificação ou de valor muito baixo, conferindo uma dignidade mínima ao trabalho do advogado nesses casos. Não pretendo entrar em detalhes sobre a legislação, mas, em regra, por força até do estatuto processual vigente (novo CPC), os honorários devem ser cobrados entre 10% e 20% do valor econômico envolvido no litígio. São esses basicamente os parâmetros objetivos que deverão ser contemplados pelo juiz na sentença.

Por analogia com as custas, os honorários do advogado devem ser cobrados no início (entre 10% e 20% do valor da demanda, em regra), mas, no silêncio, presume-se que são devidos um terço do valor contratado no início, mais um terço na sentença, e o outro terço no final (presumivelmente com o trânsito em julgado). Isso é o que diz o Estatuto da Advocacia. Dependendo do grau de dificuldade e especialização exigido, do valor da causa, e da conhecida morosidade dos meios judiciais, é comum e razoável que se cobre o mínimo (10%) no início, ficando o restante como verba ad exitum a remunerar o advogado vencedor no final da demanda (honorários de sucumbência). Esses honorários fixados na sentença se presumem pertencentes ao advogado, salvo estipulação em contrário no contrato ou convenção (caso o profissional integre alguma corporação).

Nas causas de valor mais elevado, e dependendo da disponibilidade do cliente e da disposição do advogado, é razoável que se cobre a terça parte dos honorários no início, outra terça parte na sentença, e a quitação ao final, nesse caso, majorando-se a verba para um percentual de 15% ou 20% do valor da demanda, já que o prazo para remuneração dos serviços do advogado será protraído no tempo, e não se pode ter ideia de quando o profissional (que tem contas a pagar) receberá a justa remuneração pelo trabalho realizado.

Como se pode ver, a questão é uma só: saber a quem caberá o ônus de bancar o processo até o final. O Estado só patrocina os provadamente necessitados. Aqueles que não se enquadram nessa categoria devem prover as despesas do processo (custas e honorários de advogado). Poucos escritórios estão economicamente capacitados, ou se propõem, a arcar com os custos e os riscos da demanda, incluindo-se o próprio trabalho e o longo tempo para solução final do litígio, que pode facilmente chegar a dez ou 20 anos.

Por outro lado, a ética e o próprio estatuto da profissão proíbem de forma muito clara o advogado de se associar à causa ou ao cliente, o que não acontece em outros países onde o próprio escritório financia inclusive as custas integrais do processo, por vezes bastante elevadas, tornando-se uma espécie de sócio da empreitada jurídica, cuidadosamente selecionada a fim de se evitar prejuízos.

Não aqui. Dadas as limitações legais e da ética da profissão, o mais comum é que se cobre 10% ou 20% do valor da demanda, e mais os honorários sucumbenciais a título de prêmio pelo êxito obtido na solução do litígio. Muitas vezes também, quando se trata de um cliente habitual, com maior volume de demandas, é razoável que por contrato se atribua a este a verba de honorários sucumbenciais, a título de reembolso, tal como ocorre com as custas processuais que são reembolsadas ao final pela parte vencida, à parte que logrou êxito na demanda.

No caso do fim da pendenga por acordo entre as partes, dependendo da fase do processo e do trabalho realizado pelo advogado até aquele momento, deve-se adequar o valor dos honorários de comum acordo com o cliente. Não havendo consenso, caberá ao advogado promover a cobrança de seus honorários com base no contrato, e no silêncio deste, mediante arbitramento judicial do valor a ser pago ao causídico, normalmente com a realização de perícia a fim de se chegar ao quantum efetivamente devido.

Uma vez julgado o processo, e não cumprida a sentença no prazo de 15 dias, caberá a parte vencida pagar à vencedora uma multa de 10% (nas condenações em dinheiro), e mais os honorários de 10% sobre o valor da condenação, pois o trabalho do advogado deverá prosseguir até a satisfação do crédito pertencente ao cliente. Mas aí já se trata de uma nova fase do mesmo processo (nos códigos de processo anteriores eram novos processos). Ocorre que essa fase de cumprimento de sentença, não raro, demanda anos de trabalho do profissional da advocacia, que, assim, deve receber esse valor mínimo (10% sobre a condenação) também no início dessa fase do processo, a fim de poder prestar seus serviços até o final, sem precisar de apoio financeiro externo (recurso que acabaria por retirar toda remuneração pelo trabalho realizado, em função de juros, alienação de bens próprios etc.).

Portanto, a regra seguiria a mesma do processo de conhecimento, porém com honorários menores na fase de cumprimento de sentença, e com o reembolso dos honorários adiantados pelo cliente ao final, com a satisfação do crédito, devendo tudo constar do contrato de prestação de serviços.

Por fim, nas demandas executivas onde o crédito preexistente é encaminhado ao advogado para cobrança, mediante penhora e alienação dos bens do devedor para pagamento do credor, os honorários de 10% a 20% do valor do crédito também devem ser pagos pelo cliente no início do processo, em regra. Isso porque o juiz também deve fixar honorários de 10% já no primeiro despacho, em prol do advogado do credor. Caso o pagamento integral do crédito se realize no prazo de três dias pelo devedor, os honorários do advogado reduzem-se à metade, e encerra-se o processo.

É comum nesses processos que visam à recuperação de créditos que os clientes, principalmente do setor financeiro, imponham ao advogado o risco do crédito (ou seja, do negócio que eles bem ou mal realizaram com terceiros). Nesses casos, ainda que o advogado aceite o risco pela boa ou má liquidação do crédito, os honorários nunca devem ser inferiores a 20% do valor envolvido, cabendo ao cliente ao final do processo o crédito acrescido das custas processuais e honorários fixados pelo juiz, que podem chegar até 20% do crédito dependendo da complexidade da demanda, a ser avaliada pelo juiz na sentença ao extinguir o feito.

Tratamos acima dos honorários em processos executivos (de 10% a 20% do valor do crédito), não havendo resistência do devedor, ou seja, sem que seja impugnado o próprio título detido pelo credor, ou as condições de pagamento (sua exigibilidade). No caso, essa defesa é realizada através de uma outra ação incidental, que segue o mesmo rito do processo comum, com a relização de provas, audiências, recursos etc. Sãos os chamados embargos à execução, que, como todo processo de ampla cognição, pode permanecer por anos nos escaninhos do Judiciário, aguardando uma solução. Uma simples cobrança por inadimplemento converte-se numa verdadeira lide, já que apesar da existência de um título executivo, sua substância ou origem é contestada.

No caso de embargos, a legislação processual revogada era omissa, e a jurisprudência admitia a incidência de honorários de 10% a 20% do valor do crédito apenas uma vez, na execução ou nos embargos. Com o consequente abuso do direito de defesa que veio assolando o Judiciário nas demandas executivas, por óbvio, já que com ou sem embargos as despesas do devedor seriam as mesmas, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que os honorários são devidos na execução, e também nos embargos, caso sejam utilizados pelo devedor sem razão. O atual Código de Processo Civil consagrou tal entendimento, limitando, no entanto, o total de honorários a serem fixados pelo juiz em 20% do valor do crédito, sendo considerados tanto a execução, quanto os embargos caso sejam manejados pelo devedor.

Portanto, no processo de execução, com ou sem embargos do devedor, o limite de honorários a serem fixados pelo juiz é de 20% sobre o valor do crédito, e o mínimo é de 10%, não havendo embargos. Diante disso, cabe ao advogado cobrar no início de cada processo (execução e embargos, se houver), honorários de 10% do crédito perseguido ou impugnado em cada processo, não assumindo o risco pela satisfação final do crédito (o contrato de honorários é de meio em regra, e não de resultado). Como no processo de conhecimento, os honorários de sucumbência nos embargos, em tese, pertencem também ao advogado como prêmio pelo êxito da demanda, de cunho eminentemente patrimonial. Tudo mediante contrato escrito obviamente.

Em suma, o advogado deve receber no mínimo 10% do valor do crédito a título de honorários no processo de execução, e mais 20% havendo embargos à execução, sendo neste último caso metade por conta do cliente e metade por conta do devedor em face da sucumbência. Tratando-se de cliente de partido, com maior volume de créditos e demandas, o contrato pode estipular que os honorários de sucumbência retornem ao cliente, a título de reembolso. No entanto, se o cliente impuser ao advogado como condição do contrato o risco pela liquidação do crédito, além dos honorários contratuais a serem adiantados de dez a 20%, deverá o advogado estipular que os honorários sucumbenciais também lhe pertençam, por conta do risco assumido.

São esses os parâmetros contratuais que recomendo, a fim de preservar a paridade entre o sucesso profissional e a sobrevivência da classe, tão castigada pela instabilidade econômica geral e pela exploração de quem detém os meios de produção e o capital.

Autores

  • Brave

    é advogado militante no Rio de Janeiro, ex-professor de Direito Empresarial e Processual da Universidade Candido Mendes, com mestrado em Justiça e Cidadania pela antiga Universidade Gama Filho, autor do livro "A Fundamentação das Decisões Judiciais" editado em 2005 pela Forense Editora, e de capítulo do livro denominado "Direitos Processuais e Direitos Fundamentais" publicado no mesmo ano pela editora Lumen Juris, além de outros artigos publicados no Jornal Valor Econômico e na Tribuna da OAB/RJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!