Opinião

Uma proposta para evitar o aumento do próprio salário pela classe política

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1 de janeiro de 2021, 6h03

No dia 24 de dezembro, foi sancionada, pelo prefeito de São Paulo, Bruno Covas, lei municipal aumentando o salário do chefe do Executivo local em 46,68% [1], o que acarreta, consequentemente, efeito cascata em todo o funcionalismo público, visto o salário do prefeito ser o teto salarial local, conforme artigo 37, inciso XI, da Constituição.

Diante da alarmante notícia de vultoso aumento salarial, em tempos de pandemia, momento este em que a média nacional diminui vertiginosamente seus rendimentos financeiros, um déficit fiscal no orçamento público de R$ 844,6 bilhões [2] e projeções negativas do PIB a longo prazo [3], torna-se demasiadamente necessário discutir os mecanismos jurídicos que possibilitam tal aberração no cenário político.

Se o cenário apocalíptico, causado pela maior crise sanitária global, imposta pelo coronavírus, mostra-se insuficiente para a existência de um mínimo valor moral de responsabilidade com o dinheiro público, torna-se necessário, ao menos, refletir acerca de medidas jurídicas e legais que possam auxiliar na transformação dessa amarga realidade.

A Constituição Federal determina em seu artigo 37, XI, teto salarial do funcionalismo público para os entes da federação. De modo que o teto dos municípios é delimitado pelo salário do chefe do executivo local. Portanto, qualquer aumento salarial dos prefeitos pode acarretar, e em regra acarreta, aumento salarial de todo funcionalismo público local.

Ao determinar tal normativa de um teto, o qual não pode ser transposto senão por lei, o constituinte objetivou-se a delimitar alguns importantes propósitos, quais sejam, responsabilidade com o dinheiro público, publicidade (visto que a mudança de salário necessita de aprovação legislativa) e equilíbrio nos gastos públicos.

Tais premissas parecem não ser acatadas pela classe política, que, diante um cenário de crise sanitária global, continua a aumentar seus supersalários, afastando-se cada vez mais da realidade nacional, na qual mais da metade dos brasileiros vivem com apenas R$ 413 [4].

Tal incongruência é alarmante e notadamente compreensível, pois, caro leitor, qual seria o seu salário se você tivesse o poder de aumentá-lo? Os parlamentares já responderam ao questionamento desde a promulgação do texto constitucional.

Enquanto os supersalários possuem ajustes na faixa dos 40%, a projeção do salário mínimo para o próximo ano é de 4,11% [5]. Essa realidade aumenta significativamente a desigualdade social do funcionalismo público em comparação com os setores mais vulneráveis da sociedade, além de fazer uma má distribuição e uso dos recursos arrecadados pelo Fisco.

Diante dessa realidade, é urgente e necessária modificação legislativa que possibilite transformação dessa discrepância constitucionalmente protegida. Nesse sentido, a mudança, necessariamente, precisa ser norteada por emenda constitucional.

Talvez o texto constitucional tenha cometido grande equívoco ao possibilitar que os salários dos chefes do Executivo e dos parlamentares fossem aumentados pela própria classe política.

A proposta desse excerto não vislumbra solucionar, sem nenhuma imprecisão, a problemática, mas lançar luz em um tema extremamente relevante, colocando-o em debate, discutindo, assim, a melhor maneira de amenizar o mencionado abismo entre o teto salarial e o salário mínimo.

Nesse sentido, tal modificação pode ser efetivada mediante mudança constitucional, na qual determine a obrigatoriedade do aumento do salário mínimo na mesma porcentagem em que houve aumento do teto salarial. Ou seja, o legislador estaria obrigado a, toda vez que aumentar seu próprio salário, aumentar o salário mínimo, na mesma porcentagem. Portanto, trata-se de uma vinculação do salário mínimo ao teto.

Tal vinculação dos extremos remuneratórios não acabaria com a desigualdade social, mas, ao menos, impediria seu aumento, sobretudo no que tange à comparação com salários públicos. De outro modo, a classe política analisaria com maior parcimônia as circunstâncias antes de aumentar seu salário, visto que esse aumento poderia causar um grande impacto fiscal, além de obrigar os empresários a aumentarem os salários de seus funcionários. Portanto, haveria também uma pressão da própria classe econômica, para que o teto não fosse aumentando de forma tão drástica, como é evidenciado na atualidade.

Cabe asseverar, ainda, que a vinculação é do salário mínimo ao teto, e não o contrário. Dessa forma, pode haver aumento do salário mínimo, sem obrigatoriedade de aumentar o teto. De modo diverso, o aumento do teto acarretaria a obrigatoriedade de aumentar o salário mínimo na mesma porcentagem.

É certo que a presente medida legislativa possui certa disfunção, visto que o salário mínimo só pode ser modificado pelo Legislativo federal. Portanto, se o Legislativo estadual aumentasse seu salário, como isso impactaria no salário mínimo, que é de competência federal?

O aumento, em âmbito estadual, deve ser vinculado ao piso estadual local, conforme as regras da Lei Complementar 103/2000. Por sua vez, no que diz respeito à vinculação do teto municipal, essa de alguma forma deve estar vinculada ao piso salarial da categoria com menor remuneração, visto que a mencionada lei complementar não faz menção aos municípios.

A presente contribuição não visa a solucionar completamente a problemática apresentada, mas, sobretudo, evidenciar que as realidades políticas e sociais podem ser modificadas legislativamente. Nesse sentido, pensar e dialogar sobre normas que, de alguma forma, ocasionam certas discrepâncias na realidade, compete a todos os cidadãos, sobretudo aos operadores jurídicos.

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