Retrospectiva 2020

Em dezembro, STF decidiu que vacinação obrigatória é constitucional

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1 de janeiro de 2021, 9h02

Não é exagerado dizer que talvez o maior destaque de dezembro de 2020 seja o fato do ano ter finalmente chegado ao fim: até aqui, o Brasil soma quase 200 mil mortes pela Covid-19, doença que, para além de todos os traumas, irá impactar diversas áreas de modo imprevisível e duradouro. 

O ano de 2021, no entanto, começa com a promessa da esperada chegada da vacina. E foi justamente sobre esse tema que as decisões mais relevantes de dezembro do ano passado se debruçaram. 

No último dia 17, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a obrigatoriedade da vacinação é constitucional, sendo afastadas medidas invasivas, como o uso da força para exigir a imunização. 

Foram analisadas, em conjunto, duas ações diretas de inconstitucionalidade que tratavam do tema, além de um recurso extraordinário. Prevaleceram os entendimentos dos relatores, ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso, respectivamente. 

A saúde coletiva, disse Lewandowski em seu voto, "não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão egoisticamente beneficiárias de imunidade de rebanho".

Tânia Rego/Agência Brasil
Destaque de dezembro foi decisão em torno da obrigatoriedade da vacinação
Tânia Rego/Agência Brasil

Barroso foi no mesmo sentido. Afirmou que o direito à saúde coletiva, particularmente das crianças e dos adolescentes, deve prevalecer sobre a liberdade de consciência e de convicção filosófica. 

No julgamento das ações, o placar foi de 10 votos contra 1. Vencido, Nunes Marques apresentou ressalvas sobre a obrigatoriedade, defendendo que ela é "medida extrema, apenas para situação grave e cientificamente justificada e esgotadas todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária". Defendeu que a vacinação obrigatória pode ser sancionada por medidas indiretas, como a imposição de multas.

A tese fixada, em repercussão geral, foi a seguinte: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii) seja objeto de determinação da União, estados e municípios, com base em consenso médico científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".

Compra de vacinas
No mesmo dia do julgamento que considerou constitucional a obrigatoriedade da imunização, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu que estados e municípios podem comprar vacina sem registro na Anvisa, caso o produto tenha sido registrado em agência sanitária internacional. A liminar ainda deverá ser confirmada pelo Plenário. A apreciação deve ficar para o começo de 2021. 

Nelson Jr./SCO/STF
Lewandowski decidiu que estados e municípios podem comprar vacina sem registro na Anvisa

Para Lewandowski, a Lei 13.979/20, ao fazer referência ao termo "autoridades" — sem qualquer distinção expressa entre os diversos níveis político-administrativos da federação — autoriza qualquer ente federado a lançar mão do uso de medicamentos e insumos sem registro na Anvisa.

A possibilidade de "autorização tácita" pela Anvisa é prevista na Lei 13.979/20. Pelo dispositivo, a autorização excepcional e temporária para importar e distribuir produtos essenciais no combate à epidemia deverá ser concedida pela Anvisa em até 72 horas. 

Apontando a constitucionalidade da Lei, o ministro julgou válida a solução encontrada pelo Congresso "para superar, emergencialmente, a carência de vacinas contra o novo coronavírus".

A norma determina uma condição para a autorização excepcional e temporária de importação: o produto deve ter sido registrado por ao menos uma autoridade sanitária estrangeira (entre as listadas na lei) e autorizado para ser vendido no respectivo país. São quatro as autoridades sanitárias mencionadas pela norma, cujas agências ficam nos Estados Unidos, na Europa, Japão e China.

Veja as principais notícias do mês na coluna Resumo da Semana:

5/12 – Ida de Moro para consultoria que atende Odebrecht foi destaque
12/12 – Veto do STF à recondução na Câmara e no Senado foi destaque
19/12 – Vacinação obrigatória validada pelo STF foi o destaque

"Vaza jato"
Pouco antes de acabar dezembro, o ministro Ricardo Lewandowski determinou que a 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal compartilhe com a defesa do ex-presidente Lula parte das mensagens trocadas entre procuradores. As conversas foram apreendidas no curso da chamada operação "spoofing", que investiga a invasão dos celulares de Sergio Moro, de procuradores e de outras autoridades da República. 

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Três decisões de 2020 citam que perícia atestou integridade de mensagens hackeadas de procuradores
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Um trecho da decisão acabou chamando a atenção. Nele, Lewandowski informa que os dados apreendidos na "spoofing" foram periciados pela Polícia Federal e tiveram sua integridade atestada. 

A revelação contraria integrantes do MPF, que em discursos públicos afirmaram de forma ensaiada que não reconhecem a integridade das conversas reveladas pela chamada "vaza jato", série do The Intercept Brasil que divulgou as mensagens trocadas entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro. 

"Todos os dispositivos arrecadados foram submetidos a exames pelo Serviço de Perícias em Informática do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que objetivaram a extração e análise do conteúdo do material, com a elaboração de Laudo Pericial de Informática Específico para cada item apreendido", diz parte do relatório citado por Lewandowski. 

A ConJur revelou que outras duas decisões de 2020 disseram que houve laudo sobre as invasões aos celulares de procuradores, juízes e demais autoridades brasileiras. O procurador Diogo Castor de Mattos, ex-integrante da autointitulada força-tarefa da "lava jato", por exemplo, solicitou, em meados de junho de 2020, acesso a um laudo comprovando a invasão de seu celular. O pedido foi atendido pelo juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal Criminal do DF. 

Réus na "spoofing" também pediram acesso ao material hackeado, o que foi novamente dado por Ricardo Augusto Soares Leite. Na decisão, ele diz que os dados apreendidos passaram por perícia. 

"Defiro o acesso das defesas aos arquivos obtidos em razão da operação spoofing e já periciados e que se encontram com a autoridade policial, ficando a cargo de cada advogado de defesa e à Defensoria Pública da União entregar um HC externo ao delegado de Polícia Federal, Dr. Zampronha, que providenciará a disponibilização do material e transferência de 7 TB de arquivos", afirmou o magistrado.

Entrevista do mês
Em dezembro, Luciana Terra Villar, diretora jurídica do projeto MeToo no Brasil e liderança do projeto Justiceiras, afirmou, em entrevista à ConJur, que a legislação brasileira avançou no sentido de coibir abusos sexuais. No entanto, para ela, ainda falta sensibilidade para apoiar as vítimas. 

Spacca

"No caso do julgamento da Mari Ferrer, teve uma violência institucional e de falta de paridade de armas, porque ali ela estava diante de um advogado homem, um promotor homem, um defensor público homem e um juiz homem. E faltou esse olhar de gênero, a sensibilidade dessa escuta qualificada para ela, mas isso só será possível quando mulheres atingirem mais cargos de liderança."

Villar também destacou que a imprensa tem o importante papel de dar visibilidade aos casos de abuso. Destacou, entretanto, que é preciso cobrir as ocorrências sem culpabilizar as vítimas. 

"A maior parte dos noticiários são: 'mulher é estuprada', 'mulher é morta', 'mulher é agredida'. O sujeito da ação é sempre a mulher. Isso, inconscientemente, culpabiliza de uma forma, porque quem é parte do problema, e quem cometeu o ato e é o sujeito ativo da ação, inclusive criminal, é o homem."

Veja outras entrevistas de dezembro:

* Eloísa Machado de Almeida, professora de Direito Constitucional e coordenadora do Supremo em Pauta: Covid faz STF impor série de derrotas a Bolsonaro, diz pesquisadora da FGV

* Paula Sion e Estela Aranha, advogadas: "Temos visto compartilhamento desmedido de dados na área penal, e isso vai mudar"

* Jorge Luiz Souto Maior, desembargador do TRT-15: "Reforma trabalhista cria exclusão dentro da inclusão"

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