Opinião

A insegurança jurídica na desconexão dos precedentes do STF

Autores

  • Mariana Cardoso Martins

    é advogada e consultora cofundadora e diretora executiva do Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributárias (Ibatt) coordenadora do Comitê de Transação e Negócio Jurídico Processual da mesma instituição graduanda em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras (Fipecafi) MBA em Gestão Tributária pela Fipecafi pós-graduada em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e em Direito Tributário pela FGV Direito Rio.

  • Rodrigo de Assis Rodrigues

    é pós-graduado em Direito Fiscal pela PUC/RJ e em Direito da Economia e da Empresa pela FGV/RJ sócio do escritório CMartins Advogados Associados.

28 de fevereiro de 2021, 9h14

Finalizado recentemente o julgamento do RE 1187264, que culminou na formação de entendimento favorável à União acerca da constitucionalidade da inclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), provocou surpresa e fortaleceu o debate sobre a insegurança jurídica trazida pelos recentes julgamentos ocorridos no âmbito do STF, quase todos favoráveis à União e alguns antagonicamente curiosos.

Além do revés da constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias no ano passado [1], tem-se agora o reconhecimento da validade da inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB — tão incidente sobre a receita bruta quanto o PIS/Cofins, diga-se de passagem — instituída pela Lei nº 12.546/2011 sob a chancela do parágrafo 13, do artigo 195 da Constituição Federal, ocasionando uma nova forma de punição aos contribuintes que, assim como no primeiro exemplo, se "apressaram" a interromper o recolhimento com base no entendimento do STJ [2].

Tudo compreensível se considerarmos o momento de crise ocasionado pela pandemia e a necessidade de proteção aos cofres públicos, por óbvio reiterada pelo ministro Paulo Guedes em seu encontro com o ministro Luiz Fux dias atrás. A reversão no entendimento, somente para o caso da inclusão do ICMS na base de cálculo da receita bruta, garantiu que a Fazenda deixasse de sofrer impacto em seus cofres na ordem de R$ 9 bilhões, restando mais uma vez aos contribuintes se reinventarem sob a condição de uma carga tributária nitidamente excessiva.

Em particular, alguns acontecimentos nos chamam a atenção na formação desse placar de sete a quatro a favor do Fisco; o primeiro deles foi o voto favorável à constitucionalidade da inclusão, proferido pelo ministro Kassio Nunes Marques, que outrora se manifestou a favor do contribuinte no julgamento dessa mesma tese, quando ainda era desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1); e a construção da argumentação que deu ganho de causa à União, externada no voto do ministro Alexandre de Moraes, acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Edson Facchin e Gilmar Mendes.

Segundo o ministro — que não participou do julgamento da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins em março de 2017 em razão de sua recente nomeação ao cargo pelo então presidente Michel Temer —, o caráter facultativo da CPRB em detrimento do recolhimento sobre a folha de pagamentos lhe atribui caráter de benefício fiscal, o qual não poderia ser ampliado pela exclusão do ICMS, pelo menos por livre iniciativa do contribuinte.

Ademais, ao contrário do que se pontuou em 2017 — lembrando-se que PIS, Cofins e CPRB originam-se do mesmo comando constitucional, o artigo 195, inciso I, alínea b da CF/88 —, o conceito de receita líquida trazido pela Lei nº 12.973/2014 merece interpretação a contrario sensu no sentido de que se dela são excluídos descontos incondicionais, vendas canceladas e outros valores, além dos tributos sobre ela incidentes, merecem essas exclusões serem computadas para fins de conceituação da receita bruta, base de cálculo da referida contribuição.

Ora, a tirar pela ideia de que a opção pela CPRB possa ser entendida como uma espécie de benefício fiscal, não vislumbramos distinção entre o julgamento finalizado ontem e aquele ocorrido em março de 2017, o que não justifica a adoção de entendimento divergente, nem tampouco sua aplicação caso a caso.

Essas excrescências do Supremo (reiteradas, assim já podemos dizer) só ampliam a janela de vulnerabilidade do contribuinte, que poderá sofrer cobrança retroativa da Receita Federal sobre os valores que deixaram de ser recolhidos, com aplicação de multa e juros, na hipótese de não haver modulação de efeitos da decisão sedimentada ontem. Na mesma esteira estamos nós advogados, que direcionamos nossas recomendações com base nos precedentes vinculantes dos tribunais superiores.

Diante desse cenário, o "campo" de atuação dos contribuintes em temas tributários se mostra cada vez mais enxuto, onde só restará a alternativa do depósito judicial para dirimir qualquer insegurança que a suspensão do recolhimento de um imposto ou a redução de base de cálculo possa acarretar no futuro.

 


[1] Para quem se lembra do julgamento do Tema 985 (RE 1.072.485/PR) ocorrido em agosto do ano passado, vis a vis a decisão antagônica proferida antes pelo STJ no julgamento do REsp 1.230.957/RS em sede de repetitivos. 

[2] Exarado no julgamento conjunto do REsp 1.624.297/RS, REsp 1.629.001/SC e REsp 1.638.772/SC, sob a sistemática dos recursos repetitivos.

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