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Direito ao esquecimento, LGPD e liberdade de expressão: como ponderá-los?

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28 de fevereiro de 2021, 15h19

O presente texto não tem a intenção de esgotar o tema, mas fazer uma pequena reflexão de dois votos divergentes dados pelos ministros Dias Toffoli (vencedor e acompanhado pelos demais) e Edson Fachin.

Antes de quaisquer ponderações, um breve histórico quanto ao famigerado "direito ao esquecimento". Um famoso artigo intitulado "Right to Privacy" seria a pedra de toque inicial, logo no final do século retrasado, quando se discutia que "o direito de ser deixado em paz" não poderia cercear a liberdade de expressão, em especial os princípios atinentes à imprensa.

No caso concreto, emblemáticos casos permearam a jurisprudência estadunidense como, por exemplo, Melvin vs. Reid, que ensejou inclusive anos mais tarde o filme "Red Melvin". Em apertada síntese, trata-se da história de uma prostituta acusada erroneamente de homicídio e mais tarde inocentada, tendo pleiteado e provido na Justiça seu direito ao esquecimento, considerando que refez toda sua vida.

Na Europa, temos o destaque do caso alemão Lebach, em que aquele tribunal constitucional impediu a publicação de um documentário televisivo sobre o crime perpetrado pelo requerente homônimo, pelo fato de que esse ex-condenado já havia cumprido a sua pena.

Aqui no Brasil, nosso Tribunal da Cidadania (STJ) já entendeu que a menção do nome de um acusado e depois inocentado na trágica "chacina da Candelária" causou danos à sua honra, tendo, assim, o seu reconhecido direito de ser esquecido (a TV Globo, em seu programa "Linha Direta", ao reproduzir o episódio criminoso, citou expressamente o nome do serralheiro envolvido e depois inocentado por negativa de autoria).

Enfim, não bastassem os casos históricos acima elencados, temos decisões esparsas e multifacetadas na jurisprudência brasileira, envolvendo direito ao esquecimento, desde a mera remoção de conteúdo até a sua respectiva desindexação em sites buscadores.

Em passant, temos a atual vigência da Lei Geral de Proteção de Dados desde setembro do último ano, sendo certo que o legislador propositalmente silenciou-se sobre o não reconhecimento do direito ao esquecimento na LGPD.

A Lei Geral de Proteção de Dados tem como objetivo cercar os dados de ampla proteção, viabilizando meios para eventuais correções que se fizerem necessárias, mas em nenhum momento trouxe o direito do indivíduo de se opor a publicações nas quais os dados foram obtidos licitamente.

A LGPD possui pilares fortes e definidos, aos quais sobretudo respeita a privacidade, a liberdade de expressão, a informação, a comunicação e opinião, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, além de outros pilares constitucionais.

Em seu artigo 4º, referida lei excetua de seu campo de abrangência o tratamento de dados pessoais para fins exclusivamente particulares e não econômicos. Ou ainda, para fins jornalísticos e artísticos e ou acadêmicos. E ainda continua, para fins de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado, ou de atividades de investigação e repressão a infrações penais.

Nesse tópico, vale lembrar que os temas de natureza penal já são inclusive objeto de discussão para eventual advento da "LGPD Penal".

Importante salientar também que já havia previsão expressa no artigo 11 do Marco Civil da Internet quanto ao consentimento dado pelo titular para tratamento de dados pessoais, não sendo então uma legislação tão inovadora como muitos levam a crer.

Mas nosso interesse neste breve texto está na famosa "liberdade de expressão", tão falada, mas pouco compreendida.

A Constituição Federal preconiza:

"Artigo 220 — A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".

Dessa forma, nenhuma lei conterá ou poderá conter dispositivo que possa contribuir embaraços a liberdade de expressão, de informação jornalísticas, em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Assim, reafirmando a vedação a toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

A LGPD, ao abordar questões jornalísticas e ou artísticas, atende restritivamente aos exercícios dessas atividades acima elencadas. E, dessa forma, a convicção religiosa, a opinião pública, a filiação sindical, ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político devem ser considerados dados sensíveis, que poderiam ser censurados por não preencherem objetivamente as hipóteses legais.

E, nesse sentido, deve ser considerado, S.M.J, assertivo o voto do relator ministro Dias Toffoli, não apenas ao indicar o silêncio da lei quanto ao direito de esquecimento na LGPD, mas ao entender a constitucionalidade desse silêncio.

Único voto divergente, o ministro Edson Fachin reconheceu o direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, porém rejeitou que o alegado direito se aplique à família de Aída Curi, caso concreto da presente análise:

"Eventuais juízos de proporcionalidade em casos de conflitos ao direito ao esquecimento e a liberdade de expressão devem sempre considerar a posição de preferência que a liberdade de expressão possui no sistema constitucional brasileiro, mas também devem possuir o núcleo essencial do direito da personalidade", disse.

Para supracitado reconhecimento, Fachin se socorreu da doutrina pátria e internacional, invocando que o termo "direito ao esquecimento" é essencialmente multifário, ou seja, uma espécie de conceito "guarda-chuva" que recolhe inúmeros direitos singulares. Para tanto, invocou lição do renomado constitucionalista Ingo Sarlet arrematando ser "possível sustentar que o reconhecimento de um direito ao esquecimento encontra amparo mais robusto no direito ao livre desenvolvimento da personalidade e no direito à autodeterminação informacional (Rechtauf informationelle Selbstbestimmung) àquele associado, do que propriamente nos direitos à privacidade e à intimidade e mesmo dos direitos à honra e à imagem, ademais de outros direitos da personalidade".

Trouxe à baila o emblemático caso Google Spain vs. Agência Espanhola de Proteção de Dados e Mario Costeja, julgado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (o pedido de Mario Costeja González consistia em que fossem suprimidas ou alteradas as páginas eletrônicas nas quais seus dados estavam disponíveis, de modo a que estes não mais aparecessem ou que não fosse possível sua leitura por terceiros).

Pondera que referido direito teria que necessariamente ponderar as mutações tecnológicas quanto ao arquivamento dos dados, devendo de tempos em tempos ser reinterpretado, dado o caso concreto.

Invoca que na IV Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, a aprovação do Enunciado nº 531, de 2014, de acordo com o qual: "A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento" e que o STF se debruçou em tema análogo ao declarar a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa. Todavia ponderou que no caso concreto julgado, não caberia a pretensão da recorrente.

A título de nota, em que pese não considerarem o direito ao esquecimento, votando assim com o relator, os ministros Kassio Nunes e Gilmar Mendes abriram divergência quanto ao caso concreto, alegando que a recorrente faria jus ao dano moral.

O resultado do julgamento pelo STF é um marco na história da nossa democracia, e hoje já é possível afirmar que o direito ao esquecimento não existe para casos de divulgação de atos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.

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