Opinião

O absolutismo monárquico do "Estado sou eu" da "lava jato" não deixou saudades

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27 de fevereiro de 2021, 15h10

A "lava jato" incorporou perversões ao longo dos mais de seis anos de existência. Entre as mais graves estão a transgressão contumaz e o vitimismo, cuja paranoia extrema delirava com o cosmo conspirando diuturnamente contra Curitiba. Os êxitos da operação não apagam as arbitrariedades, a violência contra o Estado de Direito, a ordem jurídica e a afronta à própria democracia. A operação começou a morrer quando Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça. É diversionismo atribuir o malogro a terceiros.

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O cadáver foi eviscerado a partir dos diálogos entre Moro e sua "equipe" do Ministério Público Federal. A primeira leva de conversas, publicada no The Intercept, revela uma tocaia institucional, da qual Moro é o teórico, organizador e comandante. Ele sequestrou um poder de Estado para perpetrar perseguições e criminalizar a política indistintamente. A "lava jato" nasceu como projeto de poder, por isso se perdeu. Moro sugeria inversão de fases, cobrava frequência das mesmas, escalava procuradores para as audiências, ditava notas para desqualificar a defesa, blindava políticos de sua preferência e indicava testemunhas para encorpar a acusação.

A partir da publicidade dos diálogos, Moro começou a empilhar derrotas. Foram mais de 40. As mais emblemáticas foram a perda da gerência sobre R$ 2,5 bilhões de recursos públicos da Petrobras; derrota no Coaf; aprovação da lei de abuso de autoridade; sentenças reformadas; nomeação do atual PGR, três tentativas frustradas de instaurar CPI contra o STF; revisão da prisão após a segunda instância; o juiz de garantias; a democratização do pacote anticrime; a saída do ministério e a cassação da "Moro de saias", Selma Arruda. O maior revés foi o compartilhamento da integralidade dos diálogos. É inevitável a declaração da parcialidade do ex-juiz diante da condução facciosa, onde não atuou como magistrado, mas como parte.

Envergando a toga de carrasco, Sergio Moro vazou o áudio de uma presidente da República, suspendeu o sigilo imprestável de Antonio Palocci no ápice da eleição, grampeou advogados e atuou, em férias, para impedir a soltura de Lula. Incorporando o ícone máximo da perversão inquisitorial, Tomás de Torquemada, o ex-juiz atuou simultaneamente como investigador, acusador e julgador. Na baixa Idade Média, como em Curitiba, as prisões eram rotineiras, as acusações precárias e havia testemunhas secretas. Os expedientes recorrentes eram a perseguição, intimidação e ausência da defesa.

Fui alvo permanente de uma sanha persecutória, de uma obsessão destrutiva e da sofreguidão por criminalizar o símbolo maior da política, quando era o presidente do Congresso Nacional. Dentro da lei, enfrentei os desmandos sem me curvar ou temer o potencial destrutivo da "equipe de Moro", que encontrava em parte da imprensa receptividade acrítica e reservava linhas burocráticas às defesas. Seguindo a lógica goebbeliana de reiteração da mentira, abriram contra mim 24 investigações, extraídas de ouvi dizer em delações fajutas. Mais de 2/3 das investigações foram arquivadas por absoluta falta de provas. As demais terão o mesmo destino. Representei no CNMP contra Deltan Dallagnol, onde ele foi punido. Mas isso é apenas o início do calvário. Nas mensagens apreendidas pela operação spoofing, a procuradora Carolina Resende não deixou dúvidas quanto à perseguição: "Para nós da PGR, acho que o segundo alvo mais relevante seria Renan".

Aqueles que leram o artigo de Sergio Moro aplaudindo a operação "Mãos Limpas" certamente não foram surpreendidos. Em seu texto, de 2004, condensou um sucinto manual fascista que aplicou quando coordenou a "lava jato". A presunção da inocência foi relativizada para encarcerar indefinidamente, as prisões se tornaram regra, muitas apenas para delatar e abusou-se da publicidade opressiva, com os vazamentos como "peneira" para deslegitimar a política. O ícone italiano de Moro, Antônio Di Pietro, foi pilhado com as mãos sujas e a desonra o acompanhou.

Moro agora presta serviços para o outro lado do balcão, o lado que ele dizia combater. O próprio TCU apura o conflito de interesses. O ex-juiz espreita sua própria ruína a partir da enxurrada de novos diálogos, todos repugnantes. Moro é fruto do casamento espúrio entre Torquemada e Luís 15, onde houve a prevalência das pessoas sobre as leis. Não deixou saudades o absolutismo monárquico do "Estado sou eu".

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