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Após caso Lula, STJ reforça jurisprudência contra abuso do direito de defesa

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26 de fevereiro de 2021, 13h59

Na última quarta-feira (24/2), a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que julga matéria penal, tirou um tempo da sessão por videoconferência para se debruçar sobre o julgamento de embargos de declaração no caso de um homem condenado por estelionato. Na ocasião, tratou de reforçar a própria jurisprudência contra o abuso do direito de defesa.

Antonio Cruz - Agência Brasil
Defesa de Lula recorreu ao STF por decisão do STJ de impor o trânsito em julgado
Antonio Cruz – Agência Brasil

Tratava-se dos terceiros embargos de declaração e sexto recurso em favor do réu, que buscava reformar a condenação à pena de dois anos e nove meses de reclusão em regime aberto, com pagamento de R$ 230 mil à vítima, uma pessoa idosa. Nenhum dos pedidos da defesa foi provido.

No trajeto errante que a defesa percorreu no STJ, chegou a peticionar instauração de incidente de uniformização de jurisprudência, que já nem existe mais no ordenamento jurídico — foi revogado pela entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Contra essa decisão é que foram ajuizados os embargos de declaração, em que a paciência processual da 3ª Seção acabou.

Relator, o ministro Antonio Saldanha Palheiro ressaltou o caráter protelatório dos recursos e a tentativa de forçar o rejulgamento da causa. Por isso, determinou a certificação do trânsito em julgado, independentemente da interposição de novos recursos pela defesa, seguido da baixa imediata do feito. A decisão foi unânime.

"Tem precedente do Supremo e do nosso tribunal nesse sentido", ressaltou o ministro Felix Fischer, ao votar com o relator. "É para não ficar dando a impressão que esse fato é inédito. Dá impressão de ser inédito, mas não é. Tem precedentes de que, quando é visível esse tipo de interposição de recurso, que se pode mandar baixar os autos de uma vez", acrescentou.

Gustavo Lima
Segundo ministro Fischer, STJ julgou mais de 400 recursos de Lula no caso do tríplex
Gustavo Lima

De fato, a jurisprudência da corte é farta nesse sentido. Um dos precedentes mais recentes foi relatado pelo próprio Fischer na 5ª Turma: o caso da condenação do ex-presidente Lula pelo tríplex do Guarujá. Há menos de uma semana, transitou em julgado por ordem de Fischer, independentemente da interposição de outros recursos.

Segundo o decano do STJ, a corte julgou mais de 400 pedidos do petista. A defesa contesta os números e já ajuizou mais uma ação: foi ao Supremo Tribunal Federal pedir a anulação do trânsito em julgado, para ter a possibilidade de entrar com eventuais novos recursos no STJ.

Para os advogados de Lula, a ordem de Fischer configurou absoluta ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. "O atentado da vez, com efeito, volta-se não apenas contra o aviltamento do direito de defesa, mas, sim, — verdade seja dita —, contra a violência de se amputar a via recursal, jogando às favas toda e qualquer disposição prescrita em lei", disseram, na petição.

José Alberto
Advocacia deve ser mais vigilante quanto aos próprios atos, disse ministro Schietti
José Alberto

Litigância de má-fé
No STJ, todos os colegiados que julgam matéria penal — inclusive a Corte Especial — têm jurisprudência farta sobre a determinação de trânsito em julgado por abuso do direito de defesa. Mas também há exemplos na 3ª e 4ª Turmas, que cuidam de Direito Privado. É delas, inclusive, que surgiu a tipificação do ilícito de assédio processual, em novembro de 2019.

Forçar o trânsito em julgado para impedir recursos é o único caminho porque o processo penal não comporta a aplicação de multa por litigância de má-fé, por ausência de previsão legal. No Direito Civil, o parâmetro para a multa é o valor da causa, termo inexistente no Direito Penal. O próprio STJ já afastou em diversas ocasiões a aplicação da multa, quando feita pelas instâncias ordinárias.

Nas turmas do Supremo Tribunal Federal, a determinação de trânsito em julgado também é amplamente aceita. Por outro lado, assim como o STJ, os ministros costumam frear tentativas pouco heterodoxas de punir pelo excesso de recursos.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
No STF, ministro Gilmar Mendes afastou prisão decretada perante abuso de recursos
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Prisão e violação de ética
Há pouco mais de um ano, a 2ª Turma do STF sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes e por maioria de votos concedeu Habeas Corpus para substituir a prisão preventiva de um ex-prefeito decretada cinco anos depois dos fatos, por ordem do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que levou em conta a prática de atos processuais protelatórios.

A corte estadual afirmou que não seria razoável forçar o trânsito em julgado do caso. Por outro lado, concordou que se faz "possível a decretação da prisão preventiva até mesmo como forma de garantir a regular atuação defensiva, evitando-se o risco concreto de abuso do direito de recorrer, sob pena de impedir o alcance da finalidade útil deste processo e a regular aplicação da lei penal". Ficou vencido no caso o ministro Luiz Edson Fachin.

Em casos extremos, o STJ tem contemplado e até mesmo agido para informar as seccionais da OAB sobre os abusos praticados por seus associados. Em março de 2020, a 6ª Turma determinou a expedição de ofício à OAB-SP com cópia das peças processuais para que apure a eventual ocorrência de infração ético-disciplinar por parte do advogado que subscreveu os sucessivos embargos de declaração.

Gustavo Lima
Ordem de trânsito em julgado é sanção que se impõe, disse ministro Noronha
Gustavo Lima

Fim do mea culpa
"Em muitos dos casos que julgamos, atribui-se a condução morosa dos processos à magistratura. Em outros, atribuímos ao atraso do Ministério Público", disse o ministro Rogério Schietti, na 3ª Seção. "Mas há situações como esta em que a responsabilidade recai sobre advogados. É preciso que a advocacia seja mais vigilante quanto aos próprios atos de alguns profissionais que protelam encerramento das causas criminais", criticou.

O ministro Ribeiro Dantas concordou e reforçou o posicionamento da corte para coibir os abusos do direito de defesa. "Cada vez que um gabinete para pra examinar um recurso desses, ele está deixando de examinar uma pretensão que possa ter mais importância e mais validade de outra pessoa", afirmou.

"Há limite para tudo", disse o ministro João Otávio de Noronha, que integra a 3ª Seção desde agosto, quando deixou a presidência do STJ, mas também concorda com a jurisprudência. "É sanção que se impõe: a baixa do processo com certificação do trânsito em julgado", acrescentou.

EAREsp 1.494.222
HC 580.823
REsp 1.627.014
AREsp 1.503.301
HC 177.986 (STF)
HC 179.467 (STF)

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