"Triplicaram o Tríplex"

Juíza aceita denúncia contra Boulos por ocupação do tríplex do Guarujá

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26 de fevereiro de 2021, 17h51

A juíza Lisa Taubemblatt, da 6ª Vara Federal de Santos, aceitou nesta quinta-feira (25/2) denúncia do Ministério Público Federal contra Guilherme Boulos (Psol) e outras duas pessoas ligadas a movimentos sociais. Os três foram acusados de invadir e ocupar, em ação que aconteceu em 16 de abril de 2018, o tríplex do Guarujá (SP), imóvel atribuído ao ex-presidente Lula. A ocupação aconteceu durante protesto contra a prisão do líder petista. 

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Juíza aceitou denúncia contra Guilherme Boulos e outras duas pessoas
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Segundo o MPF, os agora réus teriam infringido o artigo 346 do Código Penal. O dispositivo prevê detenção de seis meses a dois anos para quem "tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção".

Ou seja, a previsão só vale nas situações em que o próprio dono do imóvel apreendido por ordem judicial é responsável por danificá-lo. Como Boulos não é dono do tríplex, a defesa contesta o uso do artigo 346. 

A denúncia foi apresentada pelo procurador Ronaldo Ruffo em janeiro de 2020. Conforme afirmou o Ministério Público na ocasião, "dezenas de ativistas dos movimentos sociais MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto] e Frente do Povo Sem Medo, cumprindo ordem de Luiz Inácio Lula da Silva e executando plano organizado e articulado por Guilherme Boulos, invadiram e ocuparam" o imóvel.

Os movimentos argumentam que a ocupação ocorreu de modo ordeiro, como ato simbólico. O MPF, por outro lado, diz que eles causaram "danos no referido imóvel, pois, para nele ingressar, quebraram o batente da porta principal e a arrombaram, fazendo uso de um pé-de-cabra, assim como amassaram a porta do banheiro". 

Para Alexandre Martins, advogado de Boulos, "triplicaram o tríplex". "O apartamento que já 'foi de Lula' e 'da OAS', agora aparentemente dizem pertencer ao MTST e ao Boulos, pois só isso explica a acusação de destruição da coisa própria. Não se pode esperar que um sistema que não consegue definir nem mesmo os critérios mínimos de propriedade tenha propriedade para avaliar a profundidade envolvida no direito constitucional de manifestação e de denúncia como o envolvido no presente caso", disse à ConJur

Ainda segundo o advogado, "Boulos não só não é dono do tríplex como jamais esteve nele". "Mas como o MPF não sabe e nunca teve o cuidado em saber de verdade quem era o proprietário do apartamento, se sentiu à vontade para acusar qualquer um de destruir o imóvel como se dono fosse. Isso apenas porque a acusação parecia ao MPF politicamente eficiente para justificar a mesma lógica que permeou toda a 'lava jato' — de que provas e honestidade intelectual são irrelevantes em um mundo habitado pelo terraplanismo jurídico."

No Twitter, Boulos também comentou o caso, dizendo que não será intimidado por "perseguição judicial". "Em abril de 2018, manifestantes do MTST e da Frente Povo Sem Medo ocuparam simbolicamente o tríplex no Guarujá para denunciar a farsa da condenação do ex-presidente Lula. A Ocupação revelou pela primeira vez imagens do interior do imóvel demonstrando que era completamente exagerada a narrativa a respeito das condições do tríplex. A ação teve um papel simbólico", afirmou.

"Apesar de todas as características de uma manifestação, o MP apresentou denúncia por invasão. Ontem a Justiça Federal aceitou a denúncia contra mim e a mais dois militantes do MTST. É um evidente caso de perseguição política, sem nenhuma base material. Não vão nos intimidar", concluiu. 

Lula
O ex-presidente Lula também foi denunciado, mas a juíza Lisa Taubemblatt — a mesma que aceitou a denúncia contra Boulos — rejeitou as acusações quanto ao petista. 

De acordo com a denúncia, Lula, que estava preso quando o tríplex foi ocupado, tinha poder sobre os manifestantes partidários a ele. Dessa forma, suas declarações possuíam valor de "ordem". 

"No momento em que conclamou os manifestantes a ocuparem o imóvel, ele foi ovacionado, o que demonstra que, na qualidade de líder político e possuidor de um carisma diferenciado perante movimentos sociais de tal natureza, a convocação feita por Lula foi recebida pelos manifestantes como uma ordem", diz o MPF.

A "ordem" dada pelo ex-presidente se refere a uma fala dele no dia 24 de janeiro de 2018, cerca de dois meses antes de ser preso. "Eu até pedi pro Guilherme Boulos mandar o pessoal dele ocupar aquele apartamento. Já que é meu, ocupem", ironizou o ex-presidente na ocasião.

A denúncia contra Lula se valeu do artigo 29 do Código Penal, que faz referência ao concurso de pessoas. O dispositivo determina que o agente que, "de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade".

Conforme mostrou a ConJur, até mesmo jornalistas do jornal Folha de S. Paulo que cobriram a ocupação foram investigados pelo Ministério Público Federal

De acordo com o MPF, os repórteres "teriam participado da invasão do edifício Solaris e do tríplex". A instituição considerou, no entanto, que "a conduta deles não se amolda ao tipo penal do artigo 346 do Código Penal".

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5000261-75.2020.4.03.6104

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