Opinião

As fake news e o 'Muro de Berlim digital'

Autor

  • Paulo Brasil Menezes

    é juiz de Direito no Estado do Maranhão mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) e pesquisador visitante no Centro de Investigación de Derecho Constitucional Peter Häberle da Universidade de Granada na Espanha.

25 de fevereiro de 2021, 10h34

Muitos têm sido os debates acerca das liberdades de expressão e de informação nos tempos atuais. As impressões humanas e as exteriorizações das convicções da sociedade lotam as agendas política e jurídica dos sistemas democráticos da modernidade. O mesmo pode se dizer do número de compartilhamento de fatos que despontam no ambiente informacional.

E assim as ideias vão caminhando, ou melhor, viajando em velocidade supersônica pelos dutos comunicadores da era da datificação, em que dados e metadados passaram a aferir relevância maior do que os seus proprietários pensam. E não cessa aqui. Os fatos passam a ser propagados de maneira exponencial, passando a chamar a atenção das grandes companhias tecnológicas.

Enquanto a sociedade e as instituições adentram em zonas de contato mais contundentes, caçadores de conteúdos pessoais trabalham incessantemente para constituírem um rol recheado de subsídios personalíssimos.

A atenção tem sido desviada e durante a discussão sobre o que é ou não liberdade de expressão e de informação, bem como os seus limites e alcances, a sociedade aumenta a sua participação nas redes sociais, permitindo, muitas vezes, sem o devido conhecimento, a entrada dos elementos que artificializam a vida na era cibernética.

Sim. O direito à liberdade de expressão é fundamental. O direito à liberdade de informação segue o mesmo rumo. E o direito à proteção de dados também possui tal atributo. Mas eles não trafegam na mesma direção, pois, quanto maior for a participação do povo, propagando fatos, maior será a exposição de seus dados.

Mas por que estamos falando de liberdade de opinião, de informação e proteção de dados? Simples. Porque no meio dessa tríade de fundamentalidade jurídica, ainda que não homogênea, surge o problema da desinformação.

A variedade de fatos disseminada nas redes sociais é invejável. Notícias falsas, duvidosas e imprecisas ganham o centro das atenções. Curiosamente, em duas vertentes. A primeira, intencionalmente, como uma isca para alocar nichos sociais em suas respectivas preferências e, assim, angariar mais dados pessoais.

A segunda, de maneira não provocada, mas ocasionada pela falta de nosso compromisso constitucional em evitar encaminhamentos sem o devido cuidado, sem a sonhada checagem factual e, até mesmo, sem a precisão necessária para assegurar a modalidade passiva do direito à informação: o de ser informado. Logo, notícias consideradas erradas também podem se caracterizar como fake news.

E no cenário de desinformação propagado neste século, a moeda que mais se valoriza diz respeito ao binômio "dados e metadados". A transformação digital da nova socialidade [1] gerou uma indústria que constrói suas proezas sobre o valor desse binômio.

O mais instigante é que, antes, apresentavam-se como produtos automatizados de pouca utilidade. E agora perfazem a finalidade das plataformas, que produzem novos significados e exploram de maneira preciosa e inconteste o destino de seus objetivos. É a evidência da valorização do símbolo como uma simbologia de valor.

Da mesma forma que o Muro de Berlim significou uma barreira física construída pela Alemanha Oriental durante a Guerra Fria, no século passado, o mundo está procurando os "Muros de Berlim digitais" [2] durante a guerra da desinformação, nesta quadra. Coincidência ou não, a Alemanha protagonizou mais este capítulo na história da humanidade ao elaborar a famosa NetzDG (Netzwerkdurchsetzungsgesetz) ou The Network Enforcement Act, a Lei de Fiscalização da Rede.

Com o pontapé efetuado pela Alemanha, várias outras democracias ocidentais têm buscado estabelecer debates acerca do problema da desinformação e discussões sobre a regulação das fake news. O grande avanço deste século, certamente, perpassa pela percepção de que os embates argumentativos não se situam no campo da necessidade ou não de estabelecer o accountability, mas, sim, de como fazê-lo e de que maneira implementá-lo em sociedades que ainda caminham com mitos que acabam por afastar a população da informação hígida.

O fato de ser um problema implexo e, principalmente, a impressão social de que a regulação poderá causar eventual censura são exemplos de tradições que vagam no imaginário popular. Se pensarmos assim, o Estado só poderia se debruçar para estabelecer diretrizes regulatórias diante de problemas mais simples ou sob os quais a liberdade de expressão fosse entendida como absoluta. O que são, então, as redes sociais que não censuras privadas?

Pois bem. O Parlamento brasileiro está compromissado nessa temática e o projeto de lei das fake news está atualmente na Câmara Federal aguardando o seu trâmite regular. O que chama a atenção no PL nº 2.630/2020 é que ele trata mais de controlar o discurso político do que efetivamente de uma regulação de fake news [3].

O problema é de difícil análise. Mas, sim, em tempos difíceis, as decisões trafegam em zonas igualmente complicadas. E isso, por si só, não pode ser uma escusa para que a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet não seja elaborada.

Considerando que vivemos em uma democracia instável e fraturada por uma série de fatores estruturais, o Legislativo tem esboçado esforços para combater a desinformação. O "Muro de Berlim digital" pode não ser um fim em si mesmo, nem um "protótipo para censura online global" [4], mas um trampolim para a construção de novos obstáculos, desta feita, para as fake news.

 


[1] VAN DIJCK, José. Datafication, Dataism and Dataveillance: Big Data between scientific paradigm and ideology. Surveillance & Society. v. 12, n. 2, 2014. p. 199. Disponível em: https://ojs.library.queensu.ca/index.php/surveillance-and-society/article/view/datafication/datafic. Acesso em: 1 out. 2020.

[2] MCHANGAMA, Jacob. Analysis: The Digital Berlin Wall: How Germany (Accidentally) Created a Prototype for Global Online Censorship. Justitia. 5 nov. 2019. Disponível em: http://justitia-int.org/the-digital-berlin-wall-how-germany-created-a-prototype-for-global-online-censorship/. Acesso em: 21 fev. 2021.

[3] MENEZES, Paulo Brasil. Fake News: modernidade, metodologia e regulação. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 281.

[4] Inconvenient truths. Censorious governments are abusing “fake news” laws. The Economist. 13 fev. 2021. Disponível em: https://www.economist.com/international/2021/02/13/censorious-governments-are-abusing-fake-news-laws. Acesso em: 21 fev. 2021.

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    é juiz de Direito no Estado do Maranhão, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) e pesquisador visitante no Centro de Investigación de Derecho Constitucional Peter Häberle, da Universidade de Granada, na Espanha.

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