perigoso precedente

TJ-RS vai decidir amanhã se conversas por WhatsApp valem mais do que o contrato

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23 de fevereiro de 2021, 20h42

O Poder Judiciário pode decidir com base em conversas de WhatsApp, mesmo que eventualmente deslocadas do contexto? Ou deve considerar, apenas, o que está escrito no contrato entre as partes litigantes? Afinal de contas, mensagens de WhatsApp têm o mesmo peso de contrato de compra e venda assinado entre as partes?

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Estas três singelas e pertinentes perguntas devem ser respondidas na próxima quinta-feira (25/2) pela 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, quando seus integrantes analisarão os embargos de declaração opostos pelos advogados do vendedor de um apartamento em Porto Alegre. Eles pretendem reformar o acórdão de apelação que considerou como "provas de pagamento", ao arrepio do modo estabelecido no contrato, as conversas pelo aplicativo.

Na raiz do imbróglio jurídico, um desacerto no momento de quitar as parcelas motivou o litígio, esclarece o advogado e jornalista Marco Antonio Birnfeld, do site Espaço Vital. Acompanhe o desenrolar e o desfecho desta decisão judicial até a fase de apelação na "pena" do próprio jornalista.

Quitação do imóvel em cartório
O caso se iniciou em 2018. Comprador e vendedor ajustaram o preço de R$ 470 mil pelo imóvel, no bairro Menino Deus. A previsão era dividir a entrada em duas parcelas, até que o "Habite-se" fosse concedido e o restante fosse financiado. Toda a transação foi intermediada por conhecida imobiliária da Capital.

Contrato firmado e primeiras parcelas pagas, os vendedores concederam a posse aos compradores. Tudo dentro do princípio da boa-fé. Também com a melhor das intenções, os compradores reuniram o dinheiro antes do previsto e decidiram quitar o imóvel sem financiamento bancário. Foi quando começou o problema.

Negócio anulado
Um sócio da imobiliária — que não atuou na intermediação do negócio e, portanto, era desconhecido do vendedor — foi procurado pelos compradores para proceder à quitação. Ele exigiu que uma conta bancária da imobiliária fosse utilizada para a transação. O profissional agendou a assinatura da escritura. O comprador teria recebido "100% da informação". Já o vendedor alega ter sido avisado apenas sobre a forma do depósito, sem a confirmação sobre a data da escritura.

No dia determinado pelo dono da imobiliária, o comprador depositou a quantia na conta da imobiliária e assinou sua parte na escritura. O vendedor não foi chamado ao cartório e ficou sem enxergar a cor do dinheiro, que não foi repassado pela imobiliária. O ato, então, foi anulado pelo cartório.

Impasse jurídico
Restou o impasse: enquanto o comprador tem a posse efetiva do apartamento e alega ter pago à imobiliária, o vendedor continua sendo legalmente o proprietário do imóvel e se recusa a transferir a posse formal do bem, já que não recebeu o valor ajustado.

A sentença de primeiro grau, proferida pelo 2º Juízo da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, decidiu em favor do vendedor. Tal porque o comprador depositou o valor em conta bancária diferente da prevista em contrato. Em segunda instância, porém, o entendimento foi diferente. E aqui está o xis da questão!

Conversas "printadas"
Antes de depositar o dinheiro, comprador e vendedor trocaram mensagens via WhatsApp. Os prints foram anexados à apelação cível, bem como a ata notarial descrevendo a conversa na rede social. O desembargador-relator Gelson Rolim Stocker, então, determinou que o vendedor outorgasse a escritura e, nesta linha, foi acompanhado pelos demais membros do colegiado.

"Assim, tendo em vista que a parte autora se desincumbiu do ônus probatório a fim de demonstrar o regular pagamento, ainda que em desconformidade com o contrato, mas com a expressa anuência do vendedor, é o caso de reformar a sentença e julgar procedente a ação de obrigação de fazer, a fim de determinar à parte ré que lhe outorgue a escritura pública definitiva referente aos imóveis descritos nas matrículas (…)", registrou o voto do relator.

Afinal, um depósito nessas condições teria caráter liberatório do pagamento, especialmente quando o depositário não é representante legal do vendedor? (Este, aliás, não recebeu o pagamento final).

Com a palavra, os desembargadores da 17ª Câmara Cível. Imaginem o precedente (perigoso ou abrangente) que pode ser aberto, ao considerar uma resposta em rede social como quitação.

Clique aqui para ler o acórdão de apelação
5021833-63.2019.8.21.0001 (Comarca de Porto Alegre)

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