Opinião

Senado deve impedir sanha arrecadatória do Fisco de inviabilizar stock options

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22 de fevereiro de 2021, 9h16

Em 2020, quando a Câmara dos Deputados aprovou o Marco Legal das Startups, o ecossistema recepcionou o projeto de lei favoravelmente, vislumbrando oportunidades de redução de burocracia, que por vezes impede o crescimento dos negócios inovadores e escaláveis.

Apesar das boas novidades, a proposta de regulamentação das stock options (opções de compra de participação societária) no Marco Legal é um ponto frágil. Se o texto vier a ser aprovado sem modificações, acarretará profundas e onerosas alterações sob o aspecto tributário, podendo, inclusive, inviabilizar tal instrumento.

As stock options (opções de compra de participação societária) possibilitam atrair e reter talentos, engajar pessoas e auxiliam na formação de times. Além disso, representam uma eficaz ferramenta de governança corporativa, já que almejam o alinhamento de interesses no longo prazo. Trata-se de um instrumento amplamente difundido e aplicado pelo mercado nacional e internacional, fomentado por grandes players (e.g. aceleradoras e fundos de venture capital) e não é exclusivo do ecossistema de startups.

Em síntese, por meio de stock options, concede-se ao beneficiário o direito de, futuramente, optar por adquirir ou não participação societária (opção de compra) da pessoa jurídica, sob determinadas condições previstas no plano.

De maneira geral, há três características que costumam predominar no mercado em relação a stock options: são concedidas sem qualquer contrapartida (desembolso financeiro) pelo beneficiário, são intransferíveis e podem prever lock up, ou seja, um período restritivo de alienação da participação societária a partir do exercício da opção (compra). Evidentemente que cada caso comporta uma análise singular e alguns podem envolver outros aspectos, como, por exemplo, participação societária em sociedades estrangeiras, especialmente considerando o movimento (natural, diga-se de passagem) de internacionalização das empresas em geral, incluídas aqui as startups.

A regulamentação da matéria se restringe à possibilidade de implementação de planos dessa natureza (artigo 168, §3º, da Lei nº 6.404/76) e à dedutibilidade das despesas a eles relacionadas na hipótese de configurar remuneração decorrente da prestação dos serviços (artigo 33, da Lei nº 12.973/14). Diante da ausência de disposição legal a respeito das características necessárias à configuração — ou não — das stock options como parte da remuneração dos beneficiários, são inúmeras as discussões administrativas e judiciais.

Nesse contexto, e com a falaciosa pretensão de oferecer segurança jurídica aos contribuintes, o Marco Legal das Startups promove alterações nas Leis nº 7.713/88 e nº 8.212/91 — não restringindo a regulamentação a startups, portanto, estendendo a previsão para quaisquer pessoas jurídicas — para prever que as opções de compra de ações: 1) têm natureza remuneratória; 2) em consequência da natureza remuneratória, sujeita-se à tabela progressiva do Imposto sobre a Renda (até 27,5%); 3) deve considerar a avaliação a valor justo no momento do exercício da opção como base de cálculo; e 4) o fato gerador da obrigação tributária ocorre no momento do exercício da opção de compra.

Contudo, não se pode concordar com a pretensão legislativa, em especial, pelos três motivos a seguir expostos.

Em primeiro lugar, quanto à natureza jurídica, reconhece-se que se trata de tema objeto de grande discussão, justamente em virtude da ausência de regulamentação legal a respeito do tema [1]. Contudo, contrariamente ao projeto de lei aprovado na Câmara, as stock options, na expressiva maioria dos casos, não têm natureza remuneratória, mas natureza mercantil.

Muito embora as stock options sejam concedidas no âmbito do contrato de trabalho, não podem ser presumidas como salário nem uma remuneração por serviços prestados. Isso porque existem quatro elementos que naturalmente permeiam qualquer plano de opção de opção de compra de ações e que são característicos de operações mercantis: a finalidade, a voluntariedade, a onerosidade e o risco.

A finalidade traduz a intenção das partes com a celebração do negócio jurídico. Quando utilizadas como instrumento destinado a possibilitar que determinado beneficiário se torne sócio do empreendimento, compartilhando ônus e bônus, não se pode atribuir às stock options a natureza de remuneração por prestação de serviços.

A voluntariedade é revelada em dois momentos: na adesão ao plano que culmina na concessão da opção de compra de ações (momento em que são definidas todas as regras relativas ao plano) e, posteriormente, no momento da possibilidade que cada beneficiário tem de exercer a compra de ações. Em outras palavras, tendo recebido as opções e encerrado o período de vesting, as ações somente são adquiridas se o beneficiário assim desejar. Se o beneficiário optar por não exercer o seu direito de compra, o prazo simplesmente expira sem qualquer consequência para as partes.

A onerosidade é caracterizada pelo custo financeiro incorrido pelo beneficiário para adquirir as ações. Dito de outra forma, as stock options podem ser concedidas sem contrapartida financeira, ao passo que as ações subjacentes a elas somente podem ser adquiridas mediante pagamento, de acordo com os critérios previamente definidos no plano de stock options.

O risco, por sua vez, é elemento intrínseco de qualquer operação mercantil. O exercício das stock options demonstra a opção que o beneficiário fez por assumir o risco relacionado ao negócio, considerando, por exemplo, a volatilidade do mercado de ações, a distribuição de dividendos ou até mesmo um evento de liquidez por uma futura (e incerta) aquisição da empresa/startup. Por essa razão, os critérios utilizados para a definição do valor das ações e do preço a ser pago pelo beneficiário para adquiri-las é importante.

Nos últimos anos, o Brasil revelou unicórnios significativos no mercado nacional e internacional, cujos investidores, incluindo-se aqueles com participação societária originária de stock options, tiveram um retorno financeiro expressivo. Ocorre que essas startups são minoria no mercado e esses casos extraordinários e os ganhos exponenciais não podem pautar a análise da natureza jurídica da operação.

Considerando dados, verifica-se uma alta taxa de mortalidade das startups: 25% encerram as atividades em até um ano, 50% encerram em até quatro anos de atividade e 75% encerram em até 13 anos [2]. Considerando esse cenário, percebe-se que o investimento em startups pode ser traduzido em capital de risco.

Considerando a finalidade, a voluntariedade, a onerosidade e o risco, os valores relacionados ao exercício das stock options não pode ser presumido como pagamento de salário nem de remuneração por serviços prestados, mas de verdadeira operação mercantil.

Assim, ao pretender atribuir aos stock option plans um único tratamento legal, o legislador traz um prejuízo àqueles planos desprovidos de natureza remuneratória. A pretensão legislativa contraria toda a lógica trabalhista, tributária e previdenciária acerca dos conceitos de salário e remuneração.

Em segundo lugar, o projeto de lei se equivoca ao definir, indistintamente, que o fato gerador da obrigação tributária principal, mais especificamente do imposto sobre a renda, ocorre no exercício da opção de compra, incorrendo em inconstitucionalidade e ilegalidade.

O princípio da realização faz parte da noção constitucional de renda, pelo que não se pode falar em renda passível de tributação sem que essa renda esteja "realizada". Com efeito, só há de se falar em renda quando se está diante de situações permanentes, que tenham gerado um acréscimo que possa ser mensurado, evitando a tributação de ganhos potenciais, de modo a respeitar o princípio da capacidade contributiva.

Nessa linha, o artigo 43 do CTN determina que o fato gerador do imposto sobre a renda ocorre na aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda e dos proventos de qualquer natureza. Com efeito, não há dúvida de que a existência de uma riqueza é condição necessária, mas não é suficiente por si só para atrair a tributação da renda. É preciso que o beneficiário tenha adquirido a disponibilidade daquela renda (jurídica ou economicamente).

Assim, muito embora os stock option plans prevejam que a tradição dos títulos ocorre no momento do exercício da opção de compra, é preciso considerar que essa tradição efetivamente ocorre após o pagamento pelo beneficiário e que a eventual valorização das ações (diferença entre o valor pago e o "valor de mercado" ou "valor justo") não pode ser considerada realizada no momento do exercício. Nesse momento, em outras palavras, há apenas uma expectativa de ganho. Para que esse ganho seja incorporado ao patrimônio do beneficiário (aquisição da disponibilidade sobre a renda), faz-se necessária a efetiva aquisição e tradição das ações.

Aliás, a indisponibilidade desse ganho no momento do exercício fica ainda mais evidente quando se pensa em stock options plans feitos por pessoas jurídicas de capital fechado ou, ainda, quando há previsão de lock up.

Em terceiro lugar, ao eleger o valor justo como base para cálculo desses tributos, o projeto novamente se equivoca, pois o valor justo calculado e evidenciado na contabilidade na forma determinada pelo "CPC 10", é utilizado para que a empresa possa evidenciar em suas demonstrações o valor necessário para a sua execução, sem uma necessária ou obrigatória vinculação com o valor que aqueles instrumentos (ações) efetivamente têm no momento do exercício. Em outras palavras, o valor justo não evidencia o efetivo custo incorrido pela empresa com o plano, tampouco a renda ou a remuneração supostamente obtida pelo beneficiário.

Considerando todo o exposto, sobressai a conclusão de que caberá ao Senado evitar que, a despeito da necessária regulamentação do Marco Legal das Startups, a sanha arrecadatória do Fisco inviabilize as stock options, instrumento essencial para os negócios em geral.

 


[1] Existem dois projetos de lei relacionados à matéria: (i) o PLS 306/2014, que propunha a isenção do recolhimento das contribuições previdenciárias, foi rejeitado e arquivado, basicamente em razão da impossibilidade de se calcular o impacto orçamentário e do risco de desvirtuamento da sua finalidade, e (ii) o PL 286/2015, que propõe a definição das características necessárias à não configuração do instrumento como parte integrante da remuneração dos beneficiários, conta com parecer favorável do relator mas sem qualquer expectativa de efetiva votação.

[2] NOGUEIRA, Vanessa; ARRUDA, Carlos. Causa da mortalidade das startups brasileiras: como aumentar as chances de sobrevivência no mercado. In: Dom Cabral, Nova Lima, v.9, n. 25, p. 26-33, nov./fev. 2014/2015, p. 28.

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