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“Lava jato” discutiu divisão do dinheiro da Odebrecht com EUA

22 de fevereiro de 2021, 12h29

Por Redação ConJur

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Novas mensagens apreendidas na operação spoofing indicam que procuradores da "lava jato" tinham consciência de que os americanos poderiam quebrar a Odebrecht, mas, mesmo assim, deram continuidade às tratativas com as autoridades dos Estados Unidos para a aplicação de penalidades, fornecendo até mesmo dados informais, a título de "informações de inteligência".

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Reprodução"Lava jato" discutiu percentuais da partilha do dinheiro extraído da Odebrecht

Os diálogos mostram que os membros da autoproclamada força-tarefa não tinham limites em sua missão de transformar o idealismo de um suposto combate à corrupção em dinheiro que seria depois administrado por eles próprios.

Em uma troca de mensagens, em 17 de maio de 2016, o procurador Deltan Dallagnol, então chefe da autointitulada força-tarefa da "lava jato", discutiu com o colega Orlando Martello o envio de informações à Suíça e aos Estados Unidos sobre a Odebrecht. Martello chega a dizer que tem plena consciência de que "os americanos quebram a empresa" e Deltan responde com uma risada. As mensagens constam em petição da defesa do ex-presidente Lula enviada ao Supremo Tribunal Federal.

"O procurador da República Deltan Dallagnol tinha plena ciência de que a atuação de autoridades estadunidenses contra empresas brasileiras — notadamente por meio da aplicação do FCPA (que busca expandir sobremaneira a jurisdição norte-americana) — poderia quebra-las. A despeito disso, cooperou para que tais penalidades fossem aplicadas, inclusive por meio de envio informal de dados", diz o documento.

O FCPA permite que autoridades norte-americanas investiguem e punam fatos ocorridos em outros países. Para especialistas, ela é instrumento de exercício de poder econômico e político dos norte-americanos no mundo — os novos diálogos mostram a concordância dos procuradores com esse tipo de entreguismo.

O novo material também reforça que sempre permearam as conversas com autoridades estrangeiras os percentuais que ficariam à disposição da "lava jato" sobre o valor das penalidades aplicadas no exterior contra empresas brasileiras, como a própria Odebrecht. O acordo de leniência da empreiteira, inclusive, foi amplamente debatido entre os procuradores da "lava jato" e autoridades suíças e norte-americanas.

As mensagens indicam que houve diversas reuniões e trocas de documentos, inclusive por e-mail, entre os membros da força tarefa e autoridades da Suíça e dos Estados Unidos, conforme a petição dos advogados de Lula: "Um ponto sempre relevante é do 'asset sharing', ou seja, o percentual da penalidade que ficaria com cada um dos envolvidos".

Em conversa em 8 de dezembro de 2016, um procurador pede aos demais colegas o e-mail de um membro do MP suíço que estava em uma reunião em Curitiba que discutiu justamente os percentuais de 'asset sharing' que iriam para os EUA e para a Suíça no caso Odebrecht. "Como pode a 'lava jato' ocultar esse material da defesa técnica do reclamante ou dizer a esse Supremo Tribunal Federal que nada disso ocorreu?", questiona a defesa de Lula.

Em um determinado momento, os próprios procuradores tratam a negociação como um "acordo trilateral", envolvendo Brasil, EUA e Suíça. As mensagens mostram "atuação dos procuradores da República da 'lava jato' nessa frente, o que foi indevidamente negado a esse Supremo Tribunal Federal", sustenta a petição.

Todas essas informações foram apresentadas pela defesa do ex-presidente Lula, patrocinada por Cristiano ZaninValeska MartinsMaria de Lourdes Lopes e Eliakin Tatsuo, ao ministro Ricardo Lewandowski, relator de uma reclamação sobre a investigação de hackers que invadiram celulares de autoridades.

Acordo
O acordo de leniência que a Odebrecht assinou com o Ministério Público Federal em dezembro de 2016 previa a criação de uma conta judicial, sob responsabilidade da 13ª Vara Federal de Curitiba. O dinheiro ficaria à disposição do MPF, que daria aos recursos a destinação que quisesse. 

A construtora se comprometeu a pagar R$ 8,5 bilhões como multa por seus malfeitos. O dinheiro seria dividido pelo MPF entre ele mesmo, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) e a Procuradoria-Geral da Suíça.

Rcl 43.007