Opinião

Perspectivas para a área de Direito Ambiental para o ano de 2021

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22 de fevereiro de 2021, 7h13

"À mulher de César não basta ser honesta, ela deve parecer honesta", teria dito o pretor máximo de Roma em 63 antes de Cristo. Em um evento promovido por sua esposa Pompeia, exclusivamente para mulheres, Publio Clódio Pulcro compareceu em trajes femininos com o suposto propósito de tentar seduzir a anfitriã. Julgado, foi inocentado por falta de provas, o que não impediu o anúncio do divórcio de Cesar, proferindo a frase que ganhou a história.

Encerrado um ano absolutamente atípico, o olhar adiante tem gerado discursos de retomada de projetos engavetados e recuperação do tempo perdido. Mas o cenário de hoje é, certamente, muito diferente do mundo pré-Covid-19. Vários setores produtivos foram fortemente impactados e muitas empresas entraram em modo de sobrevivência, com a capacidade de investimento fortemente comprometida. O setor público, por seu turno, foi levado a inverter o norte de responsabilidade fiscal, migrando forçadamente para o polo oposto, aumentando expressivamente seu endividamento.

Nesse contexto, não é surpresa que as anunciadas agendas do governo e das casas legislativas pautem grandes reformas estruturais do Estado, tais como a administrativa e a tributária, além das privatizações e do pacto federativo. Menos surpresa, ainda, é o fato de que, inobstante a imensa atenção internacional sobre as pautas ambientais brasileiras, alterações legislativas mais relevantes não estão no radar. Mas se engana quem pensa que os temas de Direito Ambiental não terão protagonismo em 2021.

Com a necessidade de criar uma agenda positiva para o setor e mostrando que o país não está de ouvidos tampados para o mercado, o governo federal sinaliza com as chamadas medidas indutoras, aquelas que não obrigam necessariamente boas práticas ambientais, mas que as incentivam, criando benefícios àqueles que as adotam, o que por muitas das vezes gera efeitos até mais palpáveis que obrigações legais de difícil cumprimento, especialmente por pequenos negócios e empreendimentos. A regulação por incentivo pode ser mais eficaz do que a regulamentação sob a ameaça da retaliação, e é aí que Pompeia entra em cena.

Sem muito alarde, o subsecretario da Dívida Pública recentemente anunciou a sua intenção de que seja realizada ainda no ano de 2021 as primeiras emissões soberanas de títulos vinculados às chamadas ESGs (environmental, social and governance), vinculando os papéis a boas práticas ambientais, sociais e de governança. A percepção governamental de que a necessária captação de recursos para fazer frente às combalidas contas públicas passa por uma agenda ambiental positiva não pode ter sua importância política e econômica subestimada, e tampouco sua relevância para os operadores do Direito Ambiental.

A cada dia que passa, investidores, consumidores e a sociedade civil em geral não se pautam por bravatas. Num mundo em que até mesmos os fatos possuem versões, o desafio é maior para a mulher de Cesar, pois agora deverá parecer honesta, mas submetida a um sério escrutínio pautado em critérios e parâmetros objetivos. Medidas de redução dos impactos ambientais das atividades públicas deverão ser estabelecidas e regulamentadas, afetando uma imensa gama de áreas, algumas das quais extremamente problemáticas, que passarão a ser escrutinadas por entidades nacionais e internacionais.

Exemplos são inúmeros, como é o caso da gestão de resíduos sólidos que é um verdadeiro pesadelo dos gestores de grandes e médias cidades. O setor de transporte, tradicionalmente associado à emissão de carbono, é outro que tende a entrar no radar para melhorias em seus parâmetros de sustentabilidade, com grande potencial de melhorias em um país continental e com vários centros urbanos com milhões de habitantes. Soluções de engenharia e infraestrutura, saneamento, financiamentos de projetos pelos bancos públicos e de fomento, além dos setores produtivos que consomem recursos naturais como o agronegócio e a mineração, podem ser grandes atores dessa nova realidade que se pretende implantar a partir de 2021.

Para tanto, um efetivo arcabouço normativo deverá ser criado e implementado, para que sejam disponibilizados os instrumentos de avaliação sistêmica da performance do país em diferentes áreas, como aquelas citadas acima, com seus respectivos indicadores e parâmetros de desempenho dos programas ambientais ligados à agenda de sustentabilidade a ser proposta. Por via reflexa, espera-se um movimento condizente na normatização ambiental, ainda que em âmbito infralegal, para fazer frente às demandas que surgirão por instrumentos que viabilizem todo o processo.

A agenda ESG é um caminho sem retorno e a sua institucionalização em nível governamental, se vier de fato a ser implementada como anunciado, será um importante marco no país, onde as entidades governamentais ainda têm um importante papel na economia. A efetiva reconstrução da imagem da mulher de Cesar será tão necessária como desafiadora, mas é certamente uma agenda positiva para o Direito Ambiental neste ano de 2021.

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