Segunda Leitura

Reflexos da ESG nas atividades da advocacia empresarial e ambiental

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

21 de fevereiro de 2021, 8h05

Spacca
A sigla ESG, como tantas outras siglas e palavras em inglês, invade a rotina dos profissionais do Direito, criando uma natural perplexidade, em especial nos advogados, porque são os que recebem primeiro as demandas provocadas que são por seus clientes.

ESG, em inglês, significa Environmental, Social and Governance, ou seja, meio ambiente, social e governança corporativa. Em outras palavras, significa como as empresas, nas suas múltiplas espécies, devem atuar no campo social (e.g., promovendo tratamento igualitário entre homens e mulheres), proteger o meio ambiente (v.g., aproveitando a energia solar) e na sua administração cooperar com a sociedade (v.g., zelando por uma praça).

Esta percepção vem em um crescendo constante, a partir da formulação da política de desenvolvimento sustentável pela ONU, através das conclusões dos trabalhos da comissão presidida pela ministra Gro Harlem Bruntland, da Noruega, sintetizadas no Relatório Nosso Futuro Comum, 1987.

Porém, em 2020 dois fatos impulsionaram fortemente o crescimento de um movimento internacional, pressionando o Brasil no sentido de proteger o meio ambiente: os incêndios na região amazônica e o impacto da Covid-19, que “trouxe em todas as nações um repensar na vida, nos negócios, nas relações políticas, nas conexões interpessoais”.[i]

Para ficarmos apenas em um exemplo, ao qual se somam outros tantos, “o Banco francês BNP Paribas, a maior instituição da França, anunciou ontem que se comprometeu a fechar a torneira do crédito para companhias que criem gado ou produzam soja em áreas da região amazônica convertidas em pastos ou lavouras desde 2008”.[ii]

Porém, entre os planos engendrados em países desenvolvidos e a nossa realidade há uma distância significativa. E fica sempre o questionamento se e como tal tipo de iniciativa alcançará a forma de ser brasileira. Afinal, tudo isto não pode ficar em um plano aprovado internamente por uma empresa e uma comemoração alardeada na mídia.

É necessário que tais iniciativas sejam monitoradas pelo poder público e pela sociedade. E nisto o papel do ESG assume grande relevância, porque “foi criado como uma métrica para avaliar o desempenho das empresas nesta nova conjuntura, ou seja, os financiamentos e subsídios passarão por uma contagem de diversos itens que avaliem os procedimentos das empresas”.[iii]

Mas o profissional do Direito logo questionará tal tipo de exigências, lembrando que as empresas visam ao lucro e que políticas sociais e ambientais são ônus do Estado, que a elas não pode ser imputado. A afirmativa é certa e errada. Empresas almejam lucros, sim, seja por parte dos sócios, seja por parte dos acionistas e nada há de errado nisto. Todavia, delas não se pode retirar a importante missão de atuar como colaboradoras em áreas essenciais da sociedade.

No que toca à responsabilidade social, um bom exemplo é a Lei 6.404/1976, que dispõe sobre a sociedade por ações, e no artigo 154 afirma ser dever do administrador exercer todas as suas obrigações legais e estatutárias, com o objetivo de alcançar os fins e interesses da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

No campo ambiental, existem, entre outras, iniciativas como a ISO 14.000, que cuida de procedimentos que devem ser adotados para reduzir ao máximo os danos ao meio ambiente, e a criação de certificações (e.g., selo verde) para atestar a boa procedência do produto. A legislação, de forma fragmentada, também em alguns casos impõe ao produtor que dê destino aos resíduos que produz com o seu negócio, ou seja, a chamada logística reversa. Por exemplo, para os fabricantes de agrotóxicos, lâmpadas fluorescentes e produtos eletrônicos, a devolução obrigatória, para que lhes deem destino (artigo 33 da Lei 12.305/2010).

Porém, como as normas são incidentais e recomendações de adequação não são de cumprimento obrigatório, é preciso, antes de mais nada, que haja interesse da pessoa jurídica. E aí o papel principal será o de convencimento dos líderes empresariais, os que detêm o poder de criar setores destinados à matéria e dar-lhes a estrutura necessária. A governança é de grande importância, não bastando que normas de conduta preguem elevados valores, é preciso que a empresa, entre outras coisas, cumpra as normas trabalhistas, combata a corrupção, rejeitando tentativas que venham a ser feitas e tenha controle de gestão de riscos.

Nisto se inclui a compliance. Para Adriana Freisleben de Zanetti, “Os 'programas de compliance' (ou simplesmente 'compliance') surgiram como mecanismo útil para auxiliar a identificação, a prevenção e o controle de riscos em determinado ambiente”.[iv] As empresas contratam o profissional de compliance para, agindo de forma preventivas, evitar ou minimizar os riscos a que estão sujeitas em suas atividades. Comprometendo-se e cumprindo a legislação, seguindo as orientações de profissionais habilitados, a empresa evita ser penalizada. Todavia, registre-se que nesta atividade o advogado não age sozinho. É-lhe essencial contar com o apoio de profissionais das áreas técnicas.

Dois exemplos marcantes na oportunidade de entender e adotar as transformadoras ações ESG podem ser dados com o desastre ambiental de Brumadinho, MG, aos 25 de janeiro de 2019. Segundo a revista IstoÉ, a Vale, no dia 4 de fevereiro, assinou “um acordo no valor de R$ 37,68 bilhões com o estado de Minas, a Defensoria Pública estadual e os Ministérios Públicos Federal e do estado no caso Brumadinho (MG)”. [v] Por sua vez, revela o Valor que “as despesas relacionadas com a morte de João Alberto Silveira Freitas numa loja do Carrefour em Porto Alegre (RS), em novembro, custaram à empresa R$ 50 milhões, mostra o relatório de resultados do quarto trimestre da varejista”.[vi] Por óbvio, poderiam ser evitados ou minimizados com investimento em condutas ESG.

Porém, vale aqui perguntar, como tudo isto atingirá a prática da advocacia?

Nas grandes bancas, que normalmente atendem as empresas de porte elevado, por certo este tipo de conhecimento já chegou aos setores especializados. Jovens advogados, escolhidos a dedo e portadores de titulação acadêmica, por vezes obtida no exterior, já conhecem bem estas práticas e atuam tendo-as em consideração.

No entanto, não apenas as grandes bancas deverão ser afetadas por este movimento. Empreendedores de porte médio, ou até pequeno, também sentirão os reflexos nas suas atividades. Por exemplo, o financiamento de um hotel com 30 apartamentos poderá sofrer imposições de um banco que promova o financiamento, através de cláusulas exigindo práticas ESG. E o cumprimento será avaliado através de métricas, podendo, em determinados casos, resultar na rescisão da avença.

Um empreendedor de porte médio poderá ver negado o financiamento para o seu negócio, pelo simples fato de a empresa estar a responder ações civis públicas ou processos criminais em razão da prática de danos ambientais.

Por outro lado, é de se supor que agentes do Ministério Público e membros do Poder Judiciário, ao se depararem com conflitos ambientais, venham a olhar com boa vontade as pessoas jurídicas que dediquem investimentos a práticas ESG. Evidentemente, quando demonstrada seriedade neste propósito e não como mera investida da área de marketing.

Finalmente, a administração pública também acabará sendo envolvida neste movimento. Órgãos públicos já dedicam investimentos a setores sócio ambientais, tendo os Tribunais os melhores exemplos da área. Evidentemente, terão necessidade de contar com profissionais da área jurídica habilitados para tanto.

Em suma, novos tempos já chegaram e todas as formas de equidade social e proteção do meio ambiente devem ser aproveitadas,[vii] não apenas as do sistema comando-controle. Simultaneamente, novas perspectivas se abrem aos profissionais do Direito, em especial à advocacia. O mercado está aberto aos bons profissionais e, como diz a sabedoria popular, “quem chega cedo à fonte bebe água mais pura”.

[i] GIOSA, Lívio. A Sociedade ESG. O Estado de São Paulo, Economia, Coluna SECOVI, 10/02/2021, B6

[ii] O Estado de São Paulo BNP atrela crédito a respeito à Amazônia, Negócios, 16/02/2021, B5

[iii] FREITAS, Vladimir Passos de. O NOVO PAPEL DAS EMPRESAS NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. Revista Direitos Democráticos & Estado Moderno | Faculdade de Direito da PUC-SP https://revistas.pucsp.br/index.php/DDEM | Nº. 01 | p.02-16 | Jul./Dez. 2020. Acesso em 20/2/2021.

[iv] ZANETTI, Adriana Freisleben de. Lei Anticorrupção e Compliance. R. bras. de Est. da Função públ. – RBEFP | Belo Horizonte, ano 5, n. 15, p. 35-60, set./dez. 2016, p. 51.

[v] Disponível em: https://istoe.com.br/vale-fecha-acordo-de-r-3768-bilhoes-por-desastre-em-brumadinho/. Acesso em 20/02/2021.

[vi] Vale, Empresas Serviços e Tecnologia, 19/02/2021, p. B5.

[vii] CONTI, José Maurício. Direito Financeiro e meio ambiente. Como os instrumentos financeiros são fundamentais para proteger esse patrimônio da humanidade. Revista Eletrônica JOTA, 19/09/2019

Autores

  • Brave

    é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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