Opinião

A nova 'lista pet' e a comercialização de animais selvagens

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  • Letícia Filpi

    é advogada formada pela PUC-Camp com pós-graduação em Direito Ambiental pela PUC-SP especialista na área animalista — na qual defende animais em ações jurídicas — diretora jurídica da Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda) e coordenadora do Grupo de Advogadas Animalistas Voluntárias (Gaav).

21 de fevereiro de 2021, 9h16

O Grupo de Advogadas Animalistas Voluntárias (GAAV), com o apoio da Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda) e a assinatura de advogados animalistas, ativistas, organizações não governamentais e coletivos veganos emitiu nota de repúdio contra a nova "lista pet" publicada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Isso porque entendem que a comercialização de animais selvagens como pets representa uma afronta à ética, ao meio ambiente, à Constituição, à Lei de Crimes Ambientais e uma temeridade sanitária de consequências imprevisíveis.

A nota propõe ainda uma nova tese jurídica que interpreta o artigo 5º da Constituição Federal à luz do novo constitucionalismo latino-americano, que agora acolhe o biocentrismo. Essa tese propõe um diferente ponto de vista sobre os sujeitos de direito protegidos pelo referido artigo, substituindo o entendimento de que as garantias aos direitos fundamentais sejam direcionadas apenas aos humanos.

A nota de repúdio interpreta o artigo 5º à luz dos direitos de Pachamama, que já regula outras constituições americanas, entendendo as garantias como extensivas também aos animais. De acordo com o documento, o caput do artigo 5º não se refere exclusivamente aos seres humanos, mas utiliza-se da expressão "todos", o que significa dizer que cita todos os sujeitos de direitos, sem distinção de nenhuma natureza, seja raça, religião, gênero ou espécie.

Não obstante, os subscritores da nota concordam que nenhum animal deve ser comercializado, uma vez que apenas objetos inanimados podem ser apropriados por terceiros, comprados ou vendidos. Indivíduos como os animais possuem consciência, interesses e vontade própria, portanto, tratá-los como elementos a serem comercializados é legalizar uma espécie peculiar de escravidão dos não humanos.

É pacífico o entendimento de que toda escravidão é intrinsecamente injusta por se tratar de profundo e intolerável desrespeito às liberdades essenciais de um sujeito com vida própria; de ir e vir, fazer escolhas, exercer as suas funções vitais e buscar a própria felicidade. A mercantilização de vidas sencientes jamais estará em sintonia com a ética e, portanto, nenhum argumento a seu favor será suficiente para torná-la justa ou aceitável.

No caso dos animais silvestres, além desse aspecto ético-constitucional, ainda há os riscos sanitários e ambientais, de consequências imprevisíveis para os biomas e para a saúde pública. Afinal, tanto reproduzir em cativeiro quanto capturar na natureza animais selvagens, trazendo-os para o convívio urbano, são condutas que afrontam os ciclos naturais e representam perigos, a exemplo de zoonoses e superpopulações de animais silvestres abandonados nas cidades.

Além disso, há também o perigo de se consolidar e normalizar maus costumes como ter um bicho selvagem dentro de casa. Animais silvestres possuem hábitos e necessidades que demandam treinamento especializado fora da natureza.

Uma vez que consumidores despreparados assumirão o papel de tutores, casos de abandono e maus tratos, provavelmente, serão comuns. Tudo isso significa que animal não é brinquedo, são seres vivos, conscientes e que não pertencem ao meio urbano. Lugar de animal silvestre é na natureza, nos biomas onde exercem sua função vital de equilíbrio da vida no planeta.

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