Opinião

Considerações sobre a imprescritibilidade do crime de estupro

Autor

  • Antonio Baptista Gonçalves

    é advogado pós-doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza.

21 de fevereiro de 2021, 6h04

A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu julgar o Brasil por omissão na proteção de mulheres e embriões no "caso Roger Abdelmassih" — ex-médico que foi condenado a 173 anos de prisão por estuprar suas pacientes. Assim, a corte vai verificar a violação de direitos de sete mulheres — inicialmente eram 12 — cujos casos foram considerados prescritos pela Justiça brasileira.

O tema da prescrição do crime de estupro não é novo e o Senado Federal aprovou sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro através da PEC 64/2016, de autoria do senador Jorge Viana. Encaminhada à Câmara dos Deputados em 2017, teve sua aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça e, desde então, a PEC 353/2017 aguarda ter sua apreciação pelo plenário da Câmara.

O crime de estupro tem amplo arcabouço normativo no ordenamento penal brasileiro. Apesar disso, se discute o tema da imprescritibilidade. Logo, o aprofundamento do tema se faz pungente. Então, qual a diferença do crime de estupro ser ou não imprescritível?

O estupro é tema candente, que suscita corriqueiramente medidas por parte do legislador. A preocupação com as vítimas cresce na medida em que o Brasil registra um estupro a cada oito minutos. A maioria dos casos envolve crianças e adolescentes do sexo feminino e a repressão não tem se mostrado efetiva a ponto de coibir novos casos. Além do fato de que não podemos descurar do pouco comentado e não menos grave do estupro envolvendo vítimas masculinas.

A questão do estupro preocupa. Os números são alarmantes, pois, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2019, foram 66.123 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável registrados em delegacias de polícia apenas no ano passado, e a maior parte das vítimas é do sexo feminino — cerca de 85,7%. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança.

A nova medida legislativa que se busca efetivar na defesa e garantia da defesa da dignidade da pessoa humana e proteção às vítimas de estupro é tornar o crime de estupro e de atentado violento ao pudor imprescritível.

Atualmente o Estado perde o poder de punir o infrator que praticou o estupro após 20 anos da data do fato. Então a questão que se coloca é se esse período é suficiente a fim de efetivar a proteção adequada da vítima? Para alguns casos o prazo se mostra insuficiente.

Ao nosso ver, a resposta para a efetivação da PEC 64/2016 de autoria do senador Jorge Viana perpassa não pela questão moral do delito, mas, sim, por uma análise mais profunda no tocante à responsabilidade, senão vejamos.

O estupro atinge mais amplamente meninas e adolescentes, portanto, em ambos os casos há uma séria possibilidade de não haver a formação intelectual, psicológica e humana dessa pessoa que sofreu esse grave abuso, portanto, pode não estar preparada ou ciente o suficiente para ter o discernimento da importância da denúncia do crime de estupro.

Outro elemento se refere à questão da confiança, afinal, pela mesma ótica da forma cidadã ainda incompleta, como denunciar o próprio pai? O padrasto? O namorado? A questão do acesso à informação e da conscientização pode tardar a chegar, assim como a vergonha de expor aos demais os maus tratos e à violência sexual a qual foi impingida, por vezes, reiterada ao longo de anos.

A medida de possibilitar a imprescritibilidade é habilitar as pessoas a terem o tempo necessário para superarem o trauma, enfrentarem a exposição e terem as condições psicológicas necessárias para levar o culpado à justiça, independente do parentesco.

O objetivo é diminuir as sub notificações, isto é, aumentar a quantidade de denúncias e encorajar as vítimas a denunciar. No caso de Roger Abdelmassih, o tema da prescrição já atingiu algumas vítimas, portanto, a Justiça brasileira nada pode fazer sobre as 12 mulheres que pediram responsabilização por supostos crimes do ex-médico, bem como ao descarte indevido dos embriões.

De tal sorte que coube a Corte Interamericana de Direitos humanos julgar o Brasil pelo tema, o que poderá ensejar uma condenação ao país, por conseguinte, acarretar medidas a serem adotadas pelo Brasil, inclusive uma revisão necessária na tratativa do tema. A fim de minorar o impacto de eventual condenação, o Congresso nacional poderá promover uma aprovação mais célere da imprescritibilidade do estupro.

A medida exsurge como um alento às vítimas que carregam consigo os traumas dos abusos perpetrados pelo ex-médico. Infelizmente, a violência cometida por Abdelmassih não se trata de um caso isolado ou excepcional, portanto, que se modifique a legislação e se insira no ordenamento jurídico a imprescritibilidade do estupro, assim, se incentivará as denúncias e a possibilidade de prescrição pela morosidade da justiça não mais será um incentivo ao autor.

As vítimas merecem uma resposta da Justiça, independentemente do lapso temporal decorrente do delito. As consequências, os danos e traumas podem se alongar, perdurar e prejudicar uma menina ou menino, um(a) adolescente ou adulto, que o agressor não seja contemplado com a impunidade por conta de prescrição. A Corte Interamericana corrige um erro que o Congresso Nacional tarda a remediar. Oxalá não seja necessária uma condenação internacional para que a medida seja implementada. As vítimas merecem respeito da Justiça e do ordenamento penal brasileiro.

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