Por baixo dos panos

SWI questiona método de cooperação entre procuradores suíços e brasileiros

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19 de fevereiro de 2021, 10h01

O método de comunicações entre procuradores suíços e brasileiros nas investigações da lava jato foi questionado pela publicação SWI (swissinfo.ch), unidade internacional da Swiss Broadcasting Corporation (SBC). Em vez de usar canais oficiais de comunicações, em respeito a acordos internacionais, os procuradores suíços e brasileiros usaram um "canal clandestino", o aplicativo de mensagens instantâneas Telegram, para trocar mensagens sobre contas bancárias e nomes de suspeitos, entre outras.

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Esse método informal de comunicações entre a Procuradoria Geral da Suíça (OAG — Office of the Attorney General) e a autodenominada força-tarefa da "lava jato" levanta dúvidas sobre sua correção, diz a publicação, que pergunta: Investigadores de países diferentes podem legalmente trocar informações de uma maneira informal? Eles violaram acordos de cooperação? Eles violaram normas jurídicas?

A SWI divulgou parte das conversas informais entre os procuradores suíços e brasileiros. Em 23 de março de 2016, por exemplo, o então procurador Stefan Lenz escreveu em um grupo de bate-papo do Telegram aos procuradores brasileiros: "Algumas informações sobre Álvaro Novis: ele é o beneficiário da conta da Siena Assets International Corp. no PKB Bank. Ele também está decisivamente envolvido na fraude!" A mensagem foi complementada com planilhas de pagamentos feitos pela Odebrecht.

No dia seguinte, a troca de informações sobre nomes e contas continuou. Lenz perguntou: "Você tem qualquer informação sobre José Américo Vieira Spínola? Ele está envolvido no esquema da ODE [Odebrecht] com a conta da Erie International LLC no banco PKB?" Ele também pediu informações sobre Antonio Claudio Albernaz Cordeiro (Tonico), revelando igualmente suas contas e o banco em que operava.

Segundo a SWI, a prática continuou por vários meses, implicando muitos outros suspeitos. Em 25 de agosto de 2016, Lenz fez um comentário no grupo de bate-papo sobre um relatório bancário que menciona um certo Luiz Antonio Batagini. "Ele está envolvido em nossas investigações/vocês estão interessados nele ou em sua conta bancária?"

Esse não foi um comportamento isolado, diz a publicação. Em 2017, depois que Walter Maeder substituiu Lenz na Procuradoria-Geral da Suíça, a prática continuou. Em 2 de fevereiro, Maeder se juntou ao grupo de bate-papo e fez o primeiro pedido: "Vocês têm alguma coisa sobre o Ronaldo Cezar Coelho [banqueiro eleito deputado federal]? Vocês têm um caso aberto ou têm interesse? Eu recebi um relatório suspeito sobre dinheiro. Ainda há alguns milhões nisso? Se houver interesse, por favor, me contatem e me digam quem é o responsável [pelo caso] aí".

Segundo a SWI, a resposta do Brasil foi clara: "Ele tem conexão com José Serra, um político brasileiro. Há uma pessoa da ODE [Odebrecht] que diz: Ronaldo recebe subornos e os entrega a Serra", segundo o procurador da lava jato Diogo Castor de Mattos.

Pressão nos interrogatórios
As mensagens entre procuradores suíços e brasileiros não se limitaram a trocas de nomes e informações pessoais. Nos bate-papos no Telegram, ficou claro que os dados seriam usados nas inquirições para pressionar os suspeitos no Brasil. Em 7 de abril de 2016, o procurador Deltan Dallagnol fez uma pergunta direta a Lenz: "Stefan, você tem uma lista das offshores da Odebrecht e das contas offshores?"

Em menos de 20 minutos, Lenz respondeu afirmativamente: "Sim, uma que confiscamos de FM (Fernando Miggliaccio)". Há dois meses, as autoridades suíças haviam prendido Miggliaccio, ex-diretor do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrech e responsável pela organização dos pagamentos de suborno, informou a SWI a seus leitores.

Lenz mencionou o fato de que um attaché da embaixada da Suíça em Brasília estava autorizado a passar os dados aos brasileiros, mas apenas para "propósitos de inteligência". Segundo o procurador suíço, os arquivos continham não só as empresas offshore e outras contas, mas também "todos os pagamentos feitos pelas empresas offshore da Odebrecht".

Em 11 de abril, Lenz voltou a escrever na sala de bate-papo, que havia outra maneira de o grupo acessar os dados, além do serviço do attaché. "Se for útil para a inquirição de amanhã, eu posso lhes dar as informações sobre todas as offshores direta ou indiretamente controladas pela Odebrecht, no que FM (Fernando Miggliaccio) estiver envolvido, amanhã de manhã (horário da Suíça)", ele escreveu, segundo a publicação.

Sem se referir ao assunto da inquirição, um dos procuradores da "lava jato", Orlando Martello, escreveu como ele usaria os dados que o suíço passaria através do bate-papo.

"As informações sobre como muitas offshores estão direta e indiretamente ligadas à ODE seriam úteis para as reuniões de amanhã", ele escreveu. "Não irei dar a eles os nomes das empresas, mas lhes direi que precisam esclarecer todas as transações que foram feitas pelas offshores (sob o controle deles) e, pelo menos, explicar e esclarecer as transações e os proprietários beneficiados das offshores associadas a eles. Além disso, irei exigir deles as outras informações que você já pediu."

Conforme prometido, no dia seguinte Lenz incluiu um arquivo em PDF no grupo de bate-papo: "Aqui está a lista", ele escreveu. "Os nomes em 'administrado por' não constam do documento original. O FM nos disse ou obtivemos as informações de outras provas que temos. Boa sorte na reunião de hoje".

A publicação lembra que as informações sobre a rede de empresas foram vistas como fundamentais para deslindar o caso Odebrecht. Diferentemente de outras empresas investigadas pela "lava jato", a Odebrecht criou um sistema sofisticado para camuflar a rota de pagamentos de subornos, escreveu a publicação.

Segundo a SWI, as mensagens mostram que a "lava jato" deu ao procurador-geral suíço os nomes das pessoas suspeitas de envolvimento em casos de corrupção, que iriam, meses mais tarde, ser alvo de acordos de delação premiada. A lista incluiu os principais executivos da Odebrecht. Como declarado nas transcrições, representantes da OAG pediram confidencialidade aos empregados e sugeriram segredo sobre a troca de informações.

O advogado e professor da Universidade de Manchester Rafael Valim, especializado em Direito Público, disse à SWI:

"Não existe cooperação internacional informal, como ouvimos algumas vezes de procuradores e jornalistas. A cooperação internacional, fora dos procedimentos jurídicos é ilegal e deve gerar a responsabilização daqueles que realizaram essas ilegalidades."

"A busca genérica e indiscriminada de dados sobre certas pessoas, às margens da lei, evoca o estado policial, obviamente incompatível com as garantias de um processo criminal democrático."

A SWI informa seus leitores que, como parte do acordo de assistência jurídica ao Brasil, a Procuradoria-Geral da Suíça congelou mais de mil contas, em 40 países, totalizando mais de US$ 1,1 bilhão. Os procuradores brasileiros enviaram 210 pedidos oficiais de colaboração para investigar suspeitos. "Sem a Suíça, muitos casos no Brasil provavelmente não iriam a julgamento. No total, mais de US$ 700 milhões, depositados em conta em Genebra, Lugano e Zurique, foram retornados ao Brasil."

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