Opinião

O direito à negociação coletiva nas demissões em massa da Ford

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19 de fevereiro de 2021, 13h09

A Justiça do Trabalho suspendeu o processo de demissão em massa nas fábricas da Ford de Taubaté (SP) e Camaçari (BA), a fim de que a montadora não realize desligamentos até a conclusão de negociação com os sindicatos.

Todavia, posteriormente, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região concedeu outra decisão liminar autorizando a Ford a demitir seus funcionários independentemente dos resultados na negociação coletiva.

Diante desse impasse nos tribunais, há quem sustente não ser necessária a negociação coletiva, com base no artigo 477-A, CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), que dispõe claramente:

"477-A  As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)".

Por outro lado, é importante recordarmos que a nossa Carta Magna, logo em seu "Preâmbulo",

já assume o compromisso de assegurar os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Além do mais, a Constituição prevê como princípios fundamentais da República a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) e os valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV).

Também não podemos nos esquecer que o artigo 7º, I, da Constituição prevê o direito fundamental de todo trabalhador a uma relação de emprego protegida contra despedida arbitrária.

Outro ponto relevante é o fato de que as empresas representam uma das peças mais importantes do atual sistema capitalista, razão pela qual a Constituição da República e o Código Civil brasileiro enxergam-na como uma "instituição social".

Afinal, um dos princípios da ordem econômica é justamente a função social da propriedade (artigo 170, III, CR), que se projeta também nos contratos de trabalho (artigo 421, CC).

Portanto, se a própria ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano (artigo 170, CR), o trabalhador deve possuir instrumentos idôneos para se proteger de uma despedida inopinada, como, por exemplo, pelo menos uma tentativa de negociação coletiva.

Para corroborar esse entender, merece ser trazido à baila o fato de que a Organização Internacional do Trabalho possui diversas convenções que não permitem o manejo unilateral das dispensas em massa por se tratar de um ato coletivo, inerente, portanto, ao Direito Coletivo do Trabalho, e não ao direito individual laboral — tal como previsto estritamente no artigo 477-A da CLT.

É o que se depreende, aliás, da Convenção nº 158 (artigo 13), da Convenção nº 98 (artigo 4º), da Convenção nº 154 (artigo 5º) e também de outros importantes documentos como o Pidesc (artigo 8º) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 26 e 29), que reafirmam a necessidade de negociação coletiva.

Diante de todo esse contexto normativo, caberia ao Poder Judiciário equilibrar as tensões e não permitir a opressão do capital sobre o trabalho, mediante a "simples chancela" da despedida em massa, efetivada de forma unilateral, inopinada, num total descompromisso com a democracia dentro da relação trabalho-capital.

Seria necessário, portanto, interpretar o artigo 477-A, CLT no sentido de lhe conferir compatibilidade com a ordem jurídica, isto é, garantindo aos trabalhadores o direito de negociar coletivamente (artigo 8º, IV, CR e artigo 616, CLT) e que, para tanto, sejam-lhes entregues todas as informações necessárias a essa negociação (artigo 5º, XIV, CR), a fim de que, na medida do possível, reduzam-se os impactos sociais dessa medida drástica que é a demissão de mais de cinco mil pessoas.

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