Opinião

O incidente de classificação de crédito público da Lei de Falências e seus silêncios

Autor

  • Taís Mota Vaz

    é advogada autônoma em Salvador e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão.

18 de fevereiro de 2021, 13h41

As introduções trazidas pela Lei nº 14.112/20 à Lei 11.101/05 em muito auxiliam as Fazendas na busca pela satisfação dos seus créditos em face do falido. Uma delas é o chamado "incidente de classificação de crédito público", com guarida no artigo 7º-A da Lei de Falências.

De antemão, vale ressaltar o equívoco topográfico do dispositivo ao capítulo II da lei, que trata sobre disposições comuns à recuperação judicial e à falência. Isso porque, da leitura do texto legal, retira-se que a sua aplicabilidade restringe-se unicamente aos processos de falência, e não aos de recuperação judicial.

Também vale relembrar, ab initio, que, nos termos do artigo 6º, II, da Lei 11.101/05, a decretação de falência suspende todas as execuções que correm em face do devedor. Mas uníssono que tal disposição não alcança as execuções fiscais, conforme os artigos 187 do CTN e 29 da Lei de Execuções Fiscais.

Todavia, agora, com as novas normas da Lei de Falências, após a decretação de falência o juiz é obrigado a instaurar de ofício o incidente de classificação de crédito público, este, sim, com aptidão de suspender as execuções fiscais que correm em face do devedor. Mas, quanto a isso, há de se destacar alguns aspectos relevantes.

Primeiramente, em que pese haja a obrigatoriedade de instauração do incidente pelo juiz falimentar, a apresentação dos créditos inscritos em dívida ativa é discricionariedade da Fazenda. A partir dessa sua opção, as execuções fiscais ficam suspensas até o encerramento da falência.

Ademais, ele não implica em suspensão absoluta da execuções fiscais, mas apenas em relação ao devedor falido. Isso porque o artigo 7º-A, §4º, V, da Lei de Falências deixa claro que a ação executiva correrá normalmente em relação a eventuais corresponsáveis, como sócios e administradores, a critério do juízo da execução fiscal.

Na regulamentação do incidente, o artigo 7º-A da Lei 11.101/05 aduz que a intimação da Fazenda será eletrônica e que a mesma disporá de 30 dias para apresentar a relação dos créditos inscritos em dívida ativa. Feito isso, os demais credores, devedores e administrador judicial podem, em 15 dias, impugnar a relação no que tange a eventuais erros de cálculo e de classificação, retratada a cognição horizontalmente limitada do incidente. Com efeito, o artigo 7º-A, §4º, II, da Lei de Falências deixa claro que questões atinente à existência, exigibilidade e valor do crédito competem ao juízo da execução fiscal. Por fim, confere prazo de dez dias para a Fazenda prestar seus esclarecimentos.

O objetivo de tal incidente é constituir reserva integral dos créditos fazendários até o julgamento definitivo, incluídos, de imediato, no quadro-geral de credores os créditos incontroversos, que não foram objeto de objeção. E, apesar de salutar e de grande valia às Fazendas, traz alguns questionamentos que poderiam ter sido afastados, desde a origem, pelo legislador.

O primeiro diz respeito à participação ou não do Ministério Público em seu trâmite. Acredita-se ser positiva a resposta. Isso porque parece ser evidente o interesse público que reveste o incidente. Não obstante, o legislador, ao prever a legitimidade às objeções à relação de créditos públicos, afastou o Parquet. A atuação do Ministério Público no processo de falência é efetiva, até mesmo na impugnação de créditos privados, nos moldes do artigo 8º da Lei 11.101/05. Nesse sentido, não há maiores razões para excluir a sua relevante função de custos iuris quando da habilitação de créditos públicos.

Outra questão importante é sobre a ausência de regulamentação pormenorizada após a fase de esclarecimentos da Fazenda. A lei não trata da decisão das objeções apresentadas, quando ocorrerá e por meio de qual instrumento, tampouco regulamenta eventuais recursos. Em virtude da natureza do procedimento e finalidade da decisão em atingir o seu termo, há de se concluir pela sua natureza jurídica de sentença.

Em mesmo sentido, em virtude da ausência de previsão de recurso específico, há de se entender pelo cabimento de agravo de instrumento, em consonância ao artigo 189, §1], II, da Lei 11.101/05, a ser interposto em 15 dias corridos, em aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e direta do artigo 189, §1º, I, da Lei 11.101/05. No que tange à legitimidade recursal, estariam abarcados, além da própria Fazenda e possíveis objetores (devedor, demais credores e administrador judicial), o próprio Ministério Público, reconhecida a sua atribuição como custos iuris no incidente aqui sob análise.

Ante a breve análise aqui realizada, resta concluir que o incidente de classificação de crédito público veio em boa hora para os Fiscos na árdua tarefa de satisfação dos seus créditos, especialmente em face de devedores falidos. Entretanto, também fica claro que, diante das ausências legislativas aqui levantadas, o procedimento ainda será alvo de algumas celeumas doutrinárias e jurisprudenciais. Aguardemos as cenas do próximos capítulos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!