Instância máxima

Ministros do STF podem julgar ataques contra si próprios, dizem advogados

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18 de fevereiro de 2021, 11h36

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) teve prisão em flagrante decretada nesta terça-feira (16/2) pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada nesta quarta (17/2) pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal por ameaçar os integrantes da corte e atentar contra o funcionamento do STF. Porém, os ataques do parlamentar não tornam os magistrados suspeitos ou impedidos para julgá-lo.

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Ministros do STF não são suspeitos ou impedidos para julgar Daniel Silveira
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Silveira foi preso em flagrante nesta terça (16/2) por ordem de Alexandre de Moraes devido à publicação de um vídeo com ataques e incitação de violência contra integrantes do Supremo. Diante de uma nota do ministro Luiz Edson Fachin repudiando tentativas de intimidação da corte, o deputado o classificou de "filha da puta" e disse que não poderia ser punido por querer dar uma surra nele.

"Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter medo de 11? Que não servem para porra nenhuma para esse país? Não… não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem", completou a ameaça.

Como é deputado federal, Silveira tem foro por prerrogativa de função no Supremo se os fatos imputados a ele ocorrerem durante o mandato, em função do cargo, conforme entendimento firmado pela corte na Ação Penal 937.

Porém, se Silveira ofende e ameaça ministros do STF, eles não seriam considerados parciais ao julgar tal caso? De acordo com constitucionalistas ouvidos pela ConJur, a resposta é não.

O jurista Lenio Streck afirma que, no caso, os integrantes do Supremo não podem ser considerados suspeitos ou impedidos para julgar Daniel Silveira. "Tratando-se o STF da instância final e única em crimes que envolvem parlamentares, e sendo o STF vítima, não se aplica o caso de suspeição e impedimento aos ministros. Ao contrário do Superior Tribunal de Justiça, onde, quando falta um ministro, convoca-se um juiz, no STF isso é impossível. Por isso não há impedimento."

O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Marco Aurélio Marrafon diz que acusado não pode forçar a suspeição do magistrado. "Não há suspeição quando o próprio acusado provoca o juiz para gerar parcialidade, ofendendo e ameaçando. Ninguém pode ser beneficiado da própria torpeza. Há entendimento consolidado nesse sentido. Se não fosse assim, bastava um criminoso xingar o juiz que fosse mais severo que poderia se configurar a suspeição."

Inquérito das fake news
Em 2019, o então presidente do STF, Dias Toffoli, instaurou o Inquérito 4.871 para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte. Toffoli designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o processo. O inquérito foi aberto com base no artigo 43 do regimento interno do Supremo, que diz: "Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro".

A Procuradoria-Geral da República e a Rede Sustentabilidade questionaram a abertura do inquérito. As entidades argumentaram que o Supremo não pode promover investigações e depois julgar o caso. Contudo, o Plenário do STF decidiu que a corte tem poder para investigar ameaças a seus membros. Seguido por dez ministros, o dispositivo final do voto do relator, Edson Fachin, foi o seguinte:

"Ante o exposto, nos limites desses processos, diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais, julgo totalmente improcedente o pedido nos termos expressos em que foi formulado ao final da petição inicial, para declarar a constitucionalidade da portaria GP 69/2019 [que determinou a abertura do inquérito], enquanto constitucional o artigo 43 do regimento interno, do STF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato, com esse ato exclusivamente envolvidas".

Daniel Silveira é investigado no Inquérito 4.871. Ele foi alvo de busca e apreensão e quebra de sigilo fiscal no caso. O parlamentar se orgulha de ter sido preso “mais de 90 vezes” pela Polícia Militar do Rio de Janeiro pelos delitos que cometeu. O deputado, que diz ser professor de luta, ficou famoso ao bater numa placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018.

Entre as arruaças de Silveira estão a invasão de um colégio, para contestar o método de ensino da escola e a agressão a um jornalista, por não gostar das suas perguntas. O deputado, eleito na esteira da onda bolsonarista, vai enfrentar agora o julgamento de seus pares, na Câmara, que decidirão se ele segue preso ou não.

Enfrentará também proposta de expulsão do partido. O vice-presidente da legenda, deputado Júnior Bozzella (PSL-SP) anunciou nesta madrugada que se sente envergonhado pelo nível de irresponsabilidade e desequilíbrio de deputados como Silveira. Bozzella disse que esses "criminosos travestidos de deputados" não expressam o sentimento nem o caráter da maioria do povo brasileiro.

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