Opinião

Negação do direito ao esquecimento pelo STF e repercussão nas relações de trabalho

Autor

  • Luciano Aragão Santos

    é procurador do Trabalho coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília.

18 de fevereiro de 2021, 20h17

O Supremo Tribunal Federal, por maioria, rejeitou a tese da existência de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, pelo decurso do tempo, a divulgação de acontecimentos verídicos em meios de comunicação. Casos de excessos no exercício do direito à liberdade de expressão e de informação devem ser apreciados caso a caso, à luz da legislação vigente [1].

No julgamento o STF fixou a tese de repercussão geral abaixo:

"É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível", vencidos o ministro Edson Fachin e, em parte, o ministro Marco Aurélio. Afirmou suspeição o ministro Roberto Barroso. Presidência do ministro Luiz Fux. Plenário, 11/2/2021 (Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF).

A decisão do Supremo entendeu que dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e de informação não autorizam o reconhecimento de um direito que impediria a divulgação, pelo simples decurso do tempo, de informações verídicas.

O reconhecimento de um direito ao esquecimento de forma ampla e irrestrita poderia acabar esvaziando o núcleo dos direitos fundamentais à liberdade de expressão, de informação e de imprensa (artigo 5°, IX e artigo 220 da Constituição Federal). Por isso, a análise casuística de eventuais violações aos direitos à privacidade e à intimidade, igualmente protegidos por norma constitucional intangível (artigo 5°, X, da Constituição), parece conciliar o conteúdo desses direitos constitucionais com os interesses relacionados à liberdade de expressão, informação e imprensa.

Isso não significa, contudo, que um direito ao esquecimento deveria ter sido rejeitado de todo, como fez a decisão do STF, entendendo ser incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Antes que, como qualquer outro direito fundamental, ele deve ser compatibilizado com outros interesses legítimos, o não é possível de ser feito abstratamente, senão na apreciação de situações concretas, quando o órgão julgador pode realizar seu juízo de ponderação e razoabilidade.

Apesar da decisão não se relacionar com as relações de trabalho, parece-nos evidente que sua repercussão certamente alcançará as dinâmicas do mundo do trabalho, especialmente aquelas relacionadas à fase pré-contratual.

Isso porque, eventualmente, candidatos a vagas de emprego podem se sentir prejudicados ou preteridos no resultado de seletivos quando existirem, em relação a eles, fatos ou acontecimentos verídicos e licitamente obtidos, divulgados nos meios de comunicação social, que, porém, lhe são prejudiciais no momento.

Em situação distinta, mas que pode ajudar a compreender a questão, o Tribunal Superior do Trabalho firmou tese, no IRR 24300-58.2013.5.13.0023, que "não é legítima e caracteriza lesão moral a exigência de Certidão de Antecedentes Criminais de candidato a emprego quando traduzir tratamento discriminatório ou não se justificar em razão de previsão em lei, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido" [2].

Como se nota, o TST entendeu que a exigência de certidão de antecedentes pode caracterizar lesão moral. Bem diferente, contudo, é a situação na qual o empregador ou a empresa responsável pela seleção tem acesso a informações verídicas, que podem levar ao preterimento determinado candidato, através dos meios de comunicação que as transmitiram de modo lícito.

Nesses casos, o trabalhador poderá pleitear a exclusão dessas notícias dos veículos de comunicação? Pela decisão do Supremo, provavelmente não.

Em uma situação na qual se comprove a efetiva perda de uma chance pelo candidato, que se sentir lesado pela veiculação da notícia verídica e licitamente obtida, seria possível buscar, diante dos veículos de comunicação, a reparação moral e material pela perda de uma chance?

Essas e outras questões correlatas possivelmente emergirão nas relações de trabalho nos próximos anos e competirá ao judiciário trabalhista verificar a ocorrência de eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação.

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