Opinião

Autonomia do Banco Central representa uma captura regulatória

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17 de fevereiro de 2021, 21h32

A Câmara dos Deputados aprovou, por 339 votos a 114, o projeto de autonomia do Banco Central (PLP 19/19, do Senado Federal), no qual definiu mandatos do presidente e dos diretores do Banco Central com vigência não coincidente com o mandato do presidente da República.

O discurso de justificação que embasa a proposta, segundo o relator do PL, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), é o de que:

"Essa matéria vai dar ao Brasil um novo padrão de governança monetária, que vai dar um sinal muito importante ao mercado internacional, fazendo com que o Brasil possa melhorar a sua imagem internacional e, mais do que nunca, fazendo com que investidores possam analisar o Brasil como uma janela de oportunidades".

O alicerce de edificação dessa proposta é a noção de autonomia, tão preconizada no âmbito das agências reguladoras. Agora, pretende-se mitigar o poder de atuação governamental nas políticas monetária, fiscal e crédito, dando-se uma suposta primazia a atuação dos técnicos especializados. Na realidade, vê-se uma ampliação do deep state tecnocrático, dando-se continuidade a um cenário em que, cada vez mais, as decisões vão sendo tomadas por indivíduos desprovidos do véu da legitimidade democrática.

Como é que fica se o Banco Central passa a adotar uma posição que diverge da política do governo? E o planejamento estatal da economia? Cai por terra? Trata-se, no meu entender, de uma verdadeira captura das decisões de políticas monetária, fiscal e de crédito pelo capital financeiro; é a cooptação do regulador pelos regulados, de sorte que a instituição pública se afigura inteiramente ajoelhada aos interesses do capital.

A captura do regulador, especialmente pelo poder empresarial objeto da regulação, é mais trágica do que a ausência do regulador. É simples. A captura de quem deveria regular e zelar pelos valores da ordem jurídica vigente, mormente dos seus vetores fundantes e, entre eles, a dignidade humana, não apenas dilui os parcos recursos da coletividade, que custeia uma máquina administrativa cuja atuação é meramente burocrática e retórica, mas viola a própria confiança nas instituições, apanágio inarredável de qualquer regime democrático sólido.

A captura, nesse diapasão, por afrontar a cidadania e a soberania, já que submete à tirania dos interesses privados os mais legítimos e soberanos interesses públicos, solapa os fundamentos da democracia, que, bem se sabe, não subsiste sem instituições fortes, que se legitimem pela defesa dos valores que a própria sociedade elegeu para norteá-la.

Não é despiciendo referir que a captura faz da entidade capturada uma ameaça gravíssima à coletividade, que diminui suas precauções ante a confiança, barbaramente fustigada e enganosa, de que instituição criada para tal ou qual fim vela em seu favor.

Não bastasse ser prisioneira dos interesses que deveria limitar, regrar, conduzir, volta-se contra aqueles que deveria proteger, mormente pelo expediente vil da criação artificial da dificuldade para ouvir, para iniciar sua atuação e da burocratização de seu agir, que não ganha eficácia.

Em tempos de aguda crise, como o atual, os efeitos atrozes dessa prática econômico-política (captura regulatória) estreitam os lindes da igualdade-equidade e disseminam ainda mais a vulneração dos menos preparados para suportá-la.

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  • Brave

    é advogado, mestrando do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife (UFPE), integrante do Grupo de Pesquisa Desafios do Controle da Administração Pública Contemporânea (UFPE) e integrante do Grupo de Pesquisa Direito e Desenvolvimento (UFPE).

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