Opinião

STJ desprivilegia a celeridade processual no âmbito da execução

Autor

  • Luiza Jordão

    é mestranda em Direito Comercial na Universidade de Lisboa advogada Sócia da Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados e integrante da Comissão de Contratos e Responsabilidade Civil da OAB/DF.

17 de fevereiro de 2021, 6h04

O Código de Processo Civil de 2015 veio para dar celeridade ao processo judicial, conforme estipulado no artigo 4º. Como exemplo, pôs fim à divisão de procedimentos. Tal objetivo teve como fato gerador cumprir o que determina o artigo 5º, LXXVII da Constituição Federal, que preconiza a razoável duração do processo. Contudo, na prática, não é o que muito se observa.

Em direção contrária ao que se espera, recentemente o Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento que foge do espírito da celeridade processual, especificamente no âmbito da execução.

As questões que envolvem o prazo para pagamento da condenação e a impugnação ao cumprimento de sentença são controversas desde a vigência do Código de Processo Civil de 1973.

Em suma, no Código de Processo Civil de 1973 os prazos eram contados em dias corridos. O prazo para impugnação ao cumprimento de sentença era autônomo do prazo para pagamento espontâneo da condenação. Isso porque o prazo de impugnação só tinha início a partir da penhora ou do depósito judicial para garantia do juízo. Tal regra estava estipulada no artigo 475-J, §1º.

Já no Código de Processo Civil de 2015, os prazos passaram a ser contados em dias úteis. A impugnação deve ser apresentada independente de realizada penhora ou depósito de garantia. Outrossim, o termo inicial para oferecer impugnação se inicia logo após findando o prazo para pagamento voluntário, ambos de 15 dias úteis cada, sem a necessidade de nova intimação. É o que determinam os artigos 523 e 525.

A última controvérsia é a respeito do termo inicial do prazo de impugnação ao cumprimento de sentença quando realizado depósito judicial para garantia do juízo [1]. Nesse julgado, a 3ª Turma não decidiu por unanimidade. O ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva saiu vencido e prevaleceu o voto da ministra Nancy Andrighi, que negou provimento ao recurso especial.

O acórdão pontuou que no CPC de 1973, após realizada a penhora ou efetuado o depósito judicial, o devedor deveria ser intimado para apresentar impugnação em 15 dias corridos. Já no CPC de 2015, não sendo a efetivação da penhora ou do depósito judicial requisito para o oferecimento de impugnação, fica dispensada a intimação do devedor para início da contagem do prazo, basta a intimação para pagamento voluntário.

Assim, o entendimento do voto vencedor é o de que a penhora ou depósito judicial não têm influência no prazo para oferecimento de impugnação. Dessa forma, mesmo que o devedor realize o depósito judicial para garantia da execução, o prazo para apresentar impugnação só será iniciado após transcorrido todo o prazo para pagamento voluntário.

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça não nos parece a mais acertada, tendo em vista que se distanciou do princípio da celeridade processual.

Asseverou o acórdão que não há violação desse princípio, porque nesse cenário a execução já estaria a ocorrer da forma mais ágil possível. Certo é que o entendimento sufragado pelo voto vencedor é mais célere do que o que vinha a ocorrer na vigência das normas do CPC de 1973. Contudo, esse não é o entendimento mais célere possível de se aplicar. A solução dada pelo voto vencido certamente daria mais celeridade ao processo, qual seja, que o termo inicial para apresentar impugnação é a data do depósito judicial.

Não há lógica em aguardar o transcurso inteiro do prazo de 15 dias úteis para pagamento da condenação quando o devedor já fez o depósito judicial de garantia do juízo. Se o devedor fez o depósito de garantia, ele não fará o pagamento voluntário da condenação, então não há razão para aguardar o término desse prazo.

Ademais, se o devedor garantiu o juízo, é certo dizer que tem pleno conhecimento da execução que lhe desfavorece, razão pela qual não haveria motivo para aguardar o fim do prazo para pagamento espontâneo para então iniciar nova contagem de prazo para apresentar impugnação.

O modo de contagem defendido pelo voto vencido não sacrifica os direitos fundamentais das partes. Não cria situações ilegais ou injustas. Também não diminui a qualidade do resultado da prestação jurisdicional.

Entendemos que o ato de efetuar o depósito judicial deve ser interpretado como um ato de ciência inequívoca. Na ciência inequívoca, o relevante para o legislador é que o devedor possa manifestar o seu inconformismo. A partir do momento em que efetua o depósito de garantia, é indiscutível que o devedor tem ciência da execução movida e, por essa razão, pode apresentar a sua defesa.

A jurisprudência sempre adotou a postura de que o prazo deve se iniciar a partir da ciência inequívoca da parte [2]. Não há razão para nessa hipótese o entendimento jurisprudencial ser outro.

Em análise da letra de lei, pela redação do parágrafo primeiro do artigo 475-J do CPC de 1973, quando lavrado o auto de penhora ou avaliação será de imediato intimado o executado para oferecer impugnação. O atual entendimento jurisprudencial do STJ desse artigo é no sentido de que se o devedor tem ciência inequívoca da penhora, o prazo não se iniciará da lavratura, que pode até ser dispensada, mas da data da ciência.

Ora, da mesma forma que no CPC de 1973 não havia nenhuma estipulação expressa de que o prazo se iniciaria da ciência inequívoca e não da intimação do auto de penhora, a mesma lógica e entendimento da jurisprudência deveria ser aplicada no CPC de 2015. Repita-se, o prazo deve ser iniciado da data do depósito judicial que corresponde a ciência inequívoca, não mais do fim do prazo de pagamento espontâneo.

Conforme informação do Conselho Nacional da Justiça, em 2020, na Justiça estadual, 56,8% dos processos estavam em fase de execução, ou seja, mais da metade do acervo total.

Consta na cartilha do CNJ que o tempo médio do processo baixado no Poder Judiciário na execução judicial é de cinco anos e cinco meses. Por outro lado, o tempo médio do processo na fase de conhecimento é de um ano. Então, o que se verifica é uma grande discrepância entre o tempo de se consagrar credor e o tempo de satisfazer o crédito [3]. Também por essa razão que é importante privilegiar a celeridade desta fase do processo.

Com esse novo precedente, a jurisprudência dos tribunais locais terá de se adequar, a exemplo do Rio Grande do Sul.

Em julgado já a luz do CPC de 2015, a 5ª Câmara Cível do TJ-RS, negou provimento ao agravo de instrumento que tinha como objeto declarar a intempestividade da impugnação ao cumprimento de sentença apresentada. O acórdão assentou que se efetuado o depósito judicial pelo devedor, o prazo de impugnação passa a fluir daquele termo, não mais do término do prazo de 15 dias disposto no artigo 523 do CPC de 2015 [4].

Esse posicionamento seguia a jurisprudência firmada pelo STJ na vigência do CPC de 1973, conforme precedente AgInt no AgInt no AREsp 701.256/SC.

Por fim, tendo em vista que o decisum julgado pela 3ª Turma do STJ não foi unânime, é provável que a discussão ainda venha à tona outras vezes, até mesmo em seção. Dessa forma, espera-se que o posicionamento firmado seja revisto para privilegiar a celeridade processual consagrada na Constituição Federal.

 


[1] REsp 1.761.068/RS, Min. Rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ, julgado em 15/12/2020.

[2] AgInt no AREsp 1330364/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2019, DJe 25/06/2019.
AgInt nos EDcl no REsp 1.796.772/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 4/5/2020, DJe 7/5/2020.
AgInt no REsp 1.778.051/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 25/10/2019.
REsp 1.641.610/GO, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 21/06/2017.

[4] AGI 0007128-71.2017.8.21.7000, Des. Rel. Jorge Luiz Lopes do Canto, 31/05/2017.

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