Ameaça à democracia

Especialistas e políticos repudiam ataque de deputado ao Supremo

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17 de fevereiro de 2021, 12h56

A prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) foi o mais recente de uma série de ataques ao Supremo Tribunal Federal e às instituições democráticas no país, conduta que deve ser punida para que a crise não assuma contornos ainda mais graves, de acordo com parlamentares e especialistas.

Michel Jesus/Câmara dos Deputados
O deputado foi preso em flagrante por causa dos ataques proferidos contra o STF
Michel Jesus/Câmara dos Deputados 

Silveira foi preso em flagrante pela publicação de um vídeo com ataques rasteiros e incitação de violência contra ministros do Supremo. Diante de uma nota do ministro Luiz Edson Fachin repudiando tentativas de intimidação da corte, o deputado o classifica como "filha da puta" e diz que não pode ser punido por querer dar uma surra nele.

"Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter medo de 11? Que não servem para porra nenhuma para esse país? Não… não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem", completou a ameaça.

Para o jurista Lenio Streck, o Supremo está novamente sob ataque. Ele listou sete pontos importantes sobre o episódio. "1. Mais uma vez o STF está sob Contempt of Court (ataque-desprezo à Corte); 2. O deputado já estava sendo investigado no Inquérito das Fake News (ataques à corte); 3. Ele cometeu crime; e estava cometendo crime — por isso a prisão em flagrante (precedente: caso senador Delcidio do Amaral). Havia flagrante? Pode ser questionado. Porém, a flagrância hoje não pode ser examinada como na década de 1940 ou até mesmo 80; 4. O deputado ofendeu, caluniou, injuriou e incitou a violência. Isso é pouco? Além disso, falou em fechar o STF. Em espancar ministro. Isso não é meramente falar. É mais, muito mais; 5. O STF usou a Lei de Segurança Nacional; segundo o STF, ela continua em vigor; 6. Além desses crimes, ele deverá responder por quebra de decoro; 7. Independentemente de a Câmara manter ou não a prisão, parece claro que o Brasil, como democracia, deve dizer o que quer. Um deputado pode tudo? Pode conspirar contra a democracia? Se sim, então acabemos com a democracia. Há limites? Bom, o STF e o Parlamento terão de dizer".

Segundo o criminalista Augusto de Arruda Botelho, que comentou o caso no Twitter, o flagrante não se justificava, o que tornaria a prisão ilegal. No entanto, ele ressalvou que a fala do deputado foi "gravíssima" e que ele deveria ser "punido exemplarmente, dentro da lei".

Já o criminalista Luis Henrique Machado defende a legalidade da prisão. "A prisão do deputado é constitucional. A conduta é prevista na legislação seja como calúnia, difamação ou incitação à ordem política ou social. Quanto ao flagrante, o deputado divulgou o vídeo, e o post se encontrava disponível na rede, o que configura crime de natureza permanente. Válido, portanto, o flagrante".

"As declarações de Daniel Silveira foram muito além da liberdade de expressão. A incitação de ódio, a apologia ao crime e ofensas pessoais são uma fronteira que não pode ser ultrapassada, seja quem for a vítima. A imunidade parlamentar não protege a instigação a violência contra um grupo de pessoas", afirma o advogado Pierpaolo Bottini.

Para Marco Antônio Nahum, desembargador aposentado do TJSP, ex-presidente do IBCCrim, o deputado, em ambiente exterior ao Parlamento, "pregou o ódio a violência contra as instituições democráticas e seus membros, assim como fez afirmações atentatórias ao Estado Democrático, além de ofender a honra pessoal de ministros do STF". 

"Assim, com certeza, sua conduta ultrapassa os limites permitidos por um Estado Democrático de Direito e, principalmente sob este aspecto, jamais se pode esquecer que 'as democracias começam a morrer quando seus mecanismos de defesa não mais são eficazes o suficiente para impedir a chegada de inimigos do poder constituído democraticamente'".

Repercussão política
O próprio vice-presidente do PSL, partido do deputado, Junior Bozzella, ao informar que pediria a expulsão de Silveira do partido, criticou duramente a conduta do valentão: "A atitude de alguns criminosos travestidos de deputados não expressam o sentimento, e muito menos representam o caráter, da maioria dos brasileiros. É responsabilidade do parlamento dar uma resposta à altura e frear os arroubos autoritários do Bolsonarismo".

Em nota oficial, o PSL informou que vai tomar as medidas necessárias para expulsá-lo por repudiar a conduta antirrepublicana do deputado. "Os ataques, especialmente da maneira como foram feitos, são inaceitáveis. O Supremo é o guardião da Constituição Federal e, como tal, um dos pilares do Estado democrático de Direito. O PSL jamais abrirá mão de defender esse alicerce institucional que integra, ao lado do Legislativo e do Executivo, a tríade de poderes que assegura a existência da República."

O advogado filiado ao PT e ex-ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça Tarso Genro também repudiou as declarações de Silveira e defendeu sua prisão. "Eu acho que essa ordem do Supremo é uma ordem correta, o ministro Alexandre de Moraes agiu com muita coragem e com muita responsabilidade."

"Tem um golpe em andamento, uma desarmonia e um desequilíbrio entre os poderes, e o que nós temos que nos perguntar é se o Judiciário tem o direito de defender a nação e o Estado de Direito, dentro dessa situação de exceção. Eu acho que sim."

Infração permanente
Ao decretar a prisão, o ministro Alexandre de Moraes disse que como o vídeo segue publicado nas redes sociais o deputado estaria cometendo "infração permanente", justificando o flagrante. 

A constitucionalista Vera Chemim diz que "a partir do momento que foi inserida nas redes sociais, especialmente por conter ameaças, a mensagem já se torna um sólido fundamento para a decretação da prisão em flagrante, dada a contemporaneidade dos fatos e o do seu conhecimento por uma autoridade judiciária". 

Segundo ela, no entanto, a tese de infração permanente só se justifica se partirmos do pressuposto de que o deputado já consta como réu no inquérito das fake news e que, por esse motivo, ele adotou uma conduta repetitiva ao atacar o Supremo. Disse, ainda, que as declarações podem se enquadrar na Lei de Segurança Nacional. 

"A rigor, o que se constata em uma conjuntura política extremamente polarizada é a necessidade de afrontar instituições e membros dos poderes públicos de um lado, e, de outro, uma reação imediata de demonstração de poder, visando reprimir tais atos, no sentido de proteger o Estado Democrático de Direito", conclui a constitucionalista.

O advogado criminalista André Fini, do Advocacia Pimentel, discorda da tese de infração permanente. "O caso em apreço não espelha a configuração de crime permanente, pois a permanência da postagem na internet, apesar de gerar a continuidade dos efeitos da sua veiculação, não exprime o prolongamento da consumação criminosa no tempo."

Ainda segundo ele, com a falta de prolongamento, fica afastada "a possibilidade de realização de prisão em flagrante".

Defesa alega perseguição
A advogada Thainara Prado, que faz a defesa do deputado, divulgou nota afirmando que "a prisão do deputado representa não apenas um violento ataque à sua imunidade material, mas também ao próprio exercício do direito à liberdade de expressão e aos princípios basilares que regem o processo penal brasileiro."

"Os fatos que embasaram a prisão decretada sequer configuram crime, uma vez que acobertados pela inviolabilidade de palavras, opiniões e votos que a Constituição garante aos deputados federais e senadores. Ao contrário, representam o mais pleno exercício do múnus público de que se reveste o cargo ocupado pelo deputado."

"A assessoria do deputado esclarece ainda que não houve qualquer hipótese legal que justificasse o suposto estado de flagrância dos crimes teoricamente praticados por Daniel Silveira, tampouco há que se cogitar de pretensa inafiançabilidade desses delitos. Evidente, portanto, o teor político da prisão do deputado Daniel Silveira."

A nota foi postada no perfil do Twitter do próprio deputado.

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Inq 4.781

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