Defesa da concorrência

Comparativos de preços e identificação de estratégias anticompetitivas

Autores

  • Elizabeth Farina

    é diretora-presidente da Tendências membro do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência Consumo e Comércio Internacional (IBRAC) (2020-2021) do Conselho Administrativo da Bonsucro e do Conselho Superior do Agronegócio (COSAG) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

  • Luísa Portilho

    é bacharel em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

12 de fevereiro de 2021, 8h00

Reprodução
Em um mercado eficiente, preços refletem o equilíbrio entre oferta e demanda e sinalizam possíveis choques que alteram momentaneamente o equilíbrio de mercado aos consumidores e produtores. Preços também são instrumentos utilizados na competição entre concorrentes, mas nem sempre são bem compreendidos, seja por consumidores ou pelas autoridades antitruste, como mostra a tirinha acima. Estratégias competitivas via preço podem muitas vezes ser confundidas com condutas anticoncorrenciais e, por isso, uma empresa não pode ser condenada apenas pela simples observação do comportamento de seus preços.

Considerando apenas o critério preço, empresas podem ser condenadas independentemente do nível de preço adotado. Se seus preços forem maiores do que o preço de mercado, isso pode indicar uma conduta abusiva. Se seus preços forem menores do que o preço de mercado, pode se tratar de uma conduta predatória. Já se os seus preços forem iguais ao preço praticado no mercado, as empresas podem ser acusadas de participar de um cartel.

Em todos esses casos mencionados, a condenação de uma conduta supostamente ilícita com base apenas na estratégia de precificação adotada pela companhia investigada poderia ser equivocada, punindo firmas que não cometeram qualquer tipo de infração concorrencial.

No dia 07 de dezembro de 2020, nessa mesma coluna, foi discutido o caso em que o preço estabelecido pela empresa, quando superior ao do mercado, pode ser acusado de abusividade por consumidores, reguladores ou autoridades. No artigo, enfatizamos o grave risco de autoridades antitruste confundirem uma disputa concorrencial saudável com condutas anticompetitivas, o que poderia prejudicar a competição e desestimular a inovação e a rivalidade. Em situações de excesso de demanda, por exemplo, a elevação do preço pode refletir uma pressão sobre a oferta, que não se mostra suficiente para atender a todo aumento inesperado de demanda. Nesse artigo, exploramos critérios a serem utilizados para evitar esse erro de julgamento.

Porém, preços abaixo do preço de mercado também não representam garantia de conformidade com a lei para firmas com elevada participação ou poder de mercado. A companhia pode ser acusada de praticar preço predatório ou concorrência desleal.

Teoricamente, essa estratégia prejudicial à concorrência ocorre quando uma empresa dominante deliberadamente reduz o seu preço de venda abaixo de seu custo, incorrendo em perdas no curto prazo, com o objetivo de eliminar seus rivais. Posteriormente, com a saída dos concorrentes, seus ganhos se elevam com a prática de um preço de monopólio (explorando o seu poder de mercado) por um período substancial, o que compensaria os prejuízos assumidos durante a conduta predatória.

Preços de exclusão e de fechamento de mercado dependem, como sempre, do poder de mercado. É o exercício do poder de mercado, com o objetivo ou o potencial de eliminar concorrentes e, principalmente, a concorrência, que necessita ser demonstrado. Autoridades de defesa da concorrência por todo o mundo são muito cuidadosas ao tratarem de condutas denominadas predatórias porque podem punir empresas eficientes que transferem para seus clientes e consumidores reduções de custo via preços mais baixos ou melhoria de qualidade com o mesmo nível de preços. O problema é que o erro da autoridade tem consequências graves.

Condenar uma firma que adotou uma estratégia de competição agressiva de preços pode arrefecer a força da concorrência, que é o objetivo precípuo da política antitruste. No entanto, absolver uma companhia que de fato está explorando o seu poder de monopólio para eliminar concorrentes (atuais ou potenciais) pode estimular esse comportamento, aí sim, predatório.

Por isso, a identificação de um comportamento de exclusão como o de preços predatórios é um dos grandes desafios das autoridades de defesa da concorrência, uma vez que ele pode ser facilmente confundido com uma prática competitiva lícita e desejada, que gera benefícios aos consumidores e ao bem-estar.

A estratégia das autoridades antitruste para evitar um resultado indesejado tem sido identificar critérios de análise que reduzam a probabilidade de se confundir concorrência com predação. Certamente, a mera comparação de preços não é a melhor estratégia, nem mesmo a simples comparação com os custos de produção.

O entendimento de outros condicionantes de mercado é relevante, como identificação do mercado relevante afetado, condições de entrada de novas empresas, condições de oferta da empresa investigada e capacidade de financiamento da investigada1. Ainda, para além do tema preço e custo, dois elementos centrais são relevantes para a identificação de predação: (i) firma com poder de mercado suficiente, capaz de eliminar seus rivais igualmente eficientes e de aumentar seus lucros no longo prazo para compensar as perdas assumidas anteriormente2, e (ii) existência de perdas no curto prazo.

Seguindo para o último quadrinho da charge, se a mera comparação entre o comportamento de preços da firma com o preço de mercado não é uma estratégia adequada para se identificar condutas abusivas ou condutas predatórias e/ou de fechamento de mercado, resta saber se preços iguais são indícios para a identificação de formação de cartel ou de conduta concertada.

Preços iguais podem ser resultado da própria dinâmica competitiva entre agentes, especialmente em mercados de produtos homogêneos e com informação completa. Esse cenário pode ser ilustrado pelo caso hipotético de dois vendedores de frutas em um mercado de rua que comercializam um bem homogêneo (peras de mesma qualidade) e dispõem de informação completa sobre o preço definido pelo seu rival3. Tais estabelecimentos tendem a definir um preço igual entre si, já que a redução marginal no preço de um deles poderia atrair a demanda total pelo bem (dado que os consumidores são indiferentes entre comprar peras de um ou outro vendedor), o que eliminaria o concorrente de preço maior. Dessa forma, a própria rivalidade de preços entre os competidores resultaria na determinação de preços iguais.

Portanto, assim como nos casos de preços abusivos e predatórios, a condenação de condutas anticompetitivas como um cartel deve seguir uma análise procedimental clara em torno das condições de mercado e dos potenciais ou efetivos danos causados pela conduta, a fim de se evitar efeitos negativos no mercado de uma condenação equivocada.

Há também outros mecanismos eficientes para a identificação de condutas coordenadas, como o programa de leniência antitruste do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O programa cumpre um importante papel na identificação de condutas coordenadas e no desincentivo à cooperação entre concorrentes, concedendo isenção ou redução de multas e penalidades às empresas e a indivíduos que denunciam carteis dos quais tenham participado. A teoria econômica também traz arcabouços analíticos, tal como o uso de filtros econômicos, modelo estatístico capaz de identificar comportamentos e que auxilia na detecção de cartéis4. A economia também tem a serventia de auxiliar na seleção de um correto contrafactual como medida de comparação de preços (antes e depois do cartel, mercado cartelizado e não cartelizado).

Assim, a simples comparação de preços entre uma empresa e seus concorrentes sem uma estrutura analítica não é suficiente para que autoridades antitruste identifiquem condutas concertadas anticompetitivas e ilegais. Estratégias de precificação incorporam diversos fatores particulares de cada empresa, como estrutura de custos, condições de oferta e de demanda, choques exógenos, posicionamento de mercado e outros. Dessa forma, as autoridades de defesa da concorrência podem incorrer em equívocos e dar o sinal errado para seus administrados caso desconsiderem a realização de uma análise cuidadosa sobre a conduta investigada.

Para que esse tipo de erro seja evitado, é imprescindível que a análise concorrencial seja feita seguindo as melhores práticas disponíveis, debatidas por toda a comunidade antitruste (incluindo agências regulatórias, autoridades de defesa da concorrência, legisladores, acadêmicos etc.). Conclusões simplistas baseadas apenas no preço observado ou com comparações não plausíveis podem vir a causar danos à concorrência.


1 SEAE. Portaria Nº 70, de 12 de dezembro de 2002.

2 Motta, M. Competition Policy: Theory and Practice.

3 Vide NT nº 2.

4 Tal como informado no Documento de Trabalho do DEE/CADE que trata de filtros para licitações. Disponível em: <https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-trabalho/2019/documento-de-trabalho-n05-2019-using-the-morans-i-to-detect-bid-rigging-in-brazilian-procurement-auctions.pdf>.

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    é diretora-presidente da Tendências, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC) (2020-2021), do Conselho Administrativo da Bonsucro e do Conselho Superior do Agronegócio (COSAG) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

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    é bacharel em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

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