Usuário x Consumidor

Questão técnica impede STJ de bloquear vídeo que ensina a falsificar cerveja

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12 de fevereiro de 2021, 7h30

A Ambev tentou, mas em sede de tutela antecipada, questões técnicas impedem que o Judiciário possa determinar, com segurança, o bloqueio de um vídeo compartilhado por usuários do WhatsApp que ensina como falsificar cerveja.

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Ambev identificou vídeo circulando no WhatsApp que coloca em risco propriedade industrial e a saúde dos consumidores
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Essa foi a conclusão unânime da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso especial da cervejaria por entender que, sem a segurança de que somente o vídeo específico seria bloqueado, qualquer ordem nesse sentido colocaria em risco a liberdade de expressão dos usuários e a privacidade dos usuários.

A razão disso é o fato de o WhatsApp adotar sistema de criptografia ponto-a-ponto. No momento que determinada mensagem parte de um aparelho, ela é automaticamente encriptada e fica inacessível a terceiros, inclusive a própria fornecedora do serviço.

Esse é, inclusive, o motivo pelo qual o Judiciário tem afastado a punição pelo não cumprimento de ordens de interceptação de mensagens, uma vez que ela é simplesmente impossível.

Para evitar prejuízos causados por um vídeo que ensina a falsificar cerveja, a Ambev aprofundou o pedido de bloqueio. Afirmou que o objetivo não era parar o aplicativo, mas apenas a disseminação desse vídeo, a partir de um código eletrônico denominado hash.

Sergio Amaral
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que Judiciário não pode correr o risco de vulnerar direitos digitais
Sergio Amaral

O código hash não é estranho ao Judiciário, pois é utilizado para comprovar a autenticidade e regularidade da cadeia de custódia material de provas coletadas em buscas e apreensões digitais.

Ele surge com a aplicação de um algoritmo sobre determinadas informações digitais. Essas informações transitam pelas redes e, ao final, se o algoritmo aplicado gerar o mesmo código, garante-se a higidez da prova.

O problema, segundo o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, é que não se investigou se o sistema de encriptação do WhatsApp impediria a verificação do hash do vídeo.

“A possibilidade de revelar-se falha a tentativa de bloqueio com base no hash do arquivo compartilhado, alcançando-se outros vídeos que não aqueles em que praticado o ilícito, poderia, como reconheceu o acórdão recorrido, comprometer o direito de liberdade de expressão e comunicação dos usuários do WhatsApp”, concluiu.

São questões extremadamente técnicas a serem respondidas por profissionais do específico campo da tecnologia da informação antes que o pedido de antecipação de tutela possa a ser, com segurança, apropriadamente analisado.

Na ação, a Ambev pede para suprimir o compartilhamento do vídeo porque viola sua propriedade industrial e representa risco aos consumidores. Para o Judiciário, o risco maior está em efetuar o bloqueio sem a certeza de qual conteúdo será efetivamente bloqueado.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou que o Marco Civil da Internet assegura aos usuários a inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet e de suas comunicações privadas armazenadas. Assim, o Judiciário não pode, fora das hipóteses legalmente toleradas, fragilizar o sistema que prima pelo sigilo.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.656.348

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