Opinião

Direito ao esquecimento: o STF em busca de um conceito

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12 de fevereiro de 2021, 7h15

O ministro Dias Toffoli, relator do RE 1010606, com repercussão geral reconhecida, é o responsável por elaborar uma tese condutora à discussão, no STF, sobre o que vem sendo chamado de direito ao esquecimento. Trata-se de tema que envolve os direitos fundamentais da privacidade (honra e imagem) e da informação, que repercute diretamente nos limites da liberdade de expressão.

O STF já enfrentou questão próxima quando discutiu o direito de publicação de biografias não autorizadas. Na ocasião, após consulta a especialistas em audiência pública, entendeu haver interesse público sobre a vida e obra de pessoas importantes para a história e que casos de abusos como injúria, calúnia e difamação mereceriam reparação posterior. Do contrário, a censura estaria a imperar, confrontando o espírito da Constituição, conforme o próprio tribunal já havia assentado no julgamento da ADPF 130, quando entendeu que a liberdade de expressão deve, em princípio, prevalecer.

Mas o ministro Dias Toffoli, dessa vez, resolveu elaborar um conceito sobre direito ao esquecimento e partiu para a identificação de seu conteúdo essencial. Sim, porque o que caracteriza um conceito são os elementos distintivos que fazem com que uma coisa seja ela e não outra. Nesse sentido, ainda que tenha ouvido especialistas e amici curiae, concluiu que o direito ao esquecimento corresponde à "pretensão de se impedir divulgação de fatos verídicos, licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, ficaram descontextualizados e sem interesse público relevante".

Seguiu assim de perto o STJ, no que diz respeito à exigência de interesse público relevante para a divulgação de fatos contrariamente à vontade de quem se sinta afetado pela informação, mas enfatizou a questão do decurso do tempo, diferente do que foi apontado por especialistas em audiência pública. Nessa ocasião ganhou destaque um caso paradigmático ocorrido na Califórnia, em que uma mulher não queria mais ter sua imagem associada à prática da prostituição, que ela havia abandonado. Assim, não por uma questão de tempo, mas por uma questão de identidade, o direito ao esquecimento permitiria que prevalecesse a verdade atual.

O mesmo para os casos de mudança de gênero, quando nada mais justo e coerente é alguém que deixou, legalmente, de ser uma pessoa não querer ter sua imagem associada a quem ela deixou de ser. Isso pode se dar de um dia para o outro, e não por força do decurso do tempo. Mas o ministro quis estabelecer os contornos para um fenômeno em que a prática é quem melhor poderia mostrar e definir. Em lugar de o tribunal, como nos países de tradição da common law, deixar que a compreensão de um fenômeno, para efeitos de proteção jurídica, se dê caso a caso, e aí, sim, com o decurso do tempo ganhe contornos suficientemente definidos, o ministro procura formular um conceito, com pretensões excessivamente dogmáticas, em que a abstração pretende abarcar a realidade de forma a lhe conferir sentido.

Melhor seria que estipulasse parâmetros de prevalência de um direito sobre outro, como fez o STJ ao priorizar o direito à informação quando, diante do interesse público se mostre necessária a exposição da identidade de alguém para o fiel relato de fatos históricos relevantes. Parâmetros que poderiam ganhar melhor definição com a prática dos tribunais ao apreciarem casos específicos. Mas, em lugar disso, o ministro acredita que um simples conceito seja capaz de resolver situações concretas de tensão entre direitos fundamentais, principalmente quando vemos que sua proposta não alcança o problema da verdade atual, conforme ressaltado por especialistas na matéria, em audiência pública.

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