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O Brasil precisa de mais Tribunais Regionais Federais?

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

12 de fevereiro de 2021, 19h23

O Brasil tem atualmente cinco Tribunais Federais (TRFs), os quais faziam sentido quando da criação, nos idos iniciais da década de 90, em razão das distâncias territoriais em nosso país. Contudo, atualmente, com a digitalização dos processos e videoaudiências, é preciso repensar os motivos desse opressivo lobby para instalação de mais TRFs, como é o caso em Minas Gerais.

Importante destacar que criação de tribunal é diferente de criação de vara, pois são níveis diferentes. Aqui não se trata da questão de varas. Mas, para complementar o debate, atualmente, com a digitalização de processos, e como na área federal, julga-se muita matéria de direito e sem necessidade de audiências, pode-se até mesmo repensar a divisão de competências.  

Por exemplo, nada impede que um processo de uma vara com distribuição assoberbada, principalmente por um motivo sazonal, seja julgado por uma vara com pouca distribuição. Imprescindível focar na distribuição, e não no acervo, pois o alto acervo pode ser consequência de baixa produtividade e isso não pode ser premiado, ou seja, deveria ser punido, mas na prática é diferente e, por erros de gestão da cúpula, acabam não se atentando para isso. 

Até mesmo em casos de processos em que se precisa de audiência é possível a realização de videoaudiências, ou seja, uma atuação remota. Temos casos de distribuição de processos mensais assombrosamente diferentes em varas federais, e também estaduais, mas ninguém quer falar sobre isso. Tem um caso histórico de uma vara federal criada próxima de uma fronteira que tem baixíssima distribuição e, como não se consegue extinguir ou remover a vara, então que se "remova o serviço para lá", em uma espécie de vara auxiliar de mutirões em processos eletrônicos. 

Embora o TRF-1 alegue ter excesso de serviço, um detalhe importante salta aos olhos: o TRF tem menos de 60 súmulas (instrumento para uniformizar julgados e estimulado pelo novo CPC). Dessas, entre 2013 e 2021 publicou menos de dez súmulas, sendo que de 2005 a 2013 não publicou nenhuma súmula. Se comparado com outros TRFs, tem muito pouca súmula. E praticamente nada sobre matérias como Direito Tributário e Previdenciário  INSS, nesse último caso. E esses temas são os responsáveis pela maioria dos recursos, além de questões de direitos dos próprios servidores públicos federais.  

É provável que com umas 30 súmulas nessas matérias haveria uma redução de mais de 40% dos recursos ativos no tribunal, inclusive diminuição de recursos e até mesmo de novos processos, pois a matéria estaria resolvida, e isso reduziria inclusive custos para a sociedade. Contudo, menos processos significa menos mercado de trabalho para alguns segmentos jurídicos, pois ainda formados nas faculdades com visão de judicialização, e não em solução de problemas com informação jurídica, ainda que extrajudicial. 

Lado outro, é fato que o MPF poderia ter a iniciativa de celebrar um TAC com órgãos federais como AGU, INSS e Receita Federal para ampliarem a publicação de súmulas administrativas, o que daria organicidade à atuação desses órgãos, e também segurança jurídica e previsibilidade para as pessoas. E, com isso, dinheiro que é gasto com infindáveis processos jurídicos poderia ser destinado para atividades essenciais como saúde e educação. Muito dessa ineficiência administrativa de órgãos públicos gera mais prejuízo do que atos de corrupção, e a organicidade e a transparência de súmulas administrativas evitam a própria corrupção. 

Contudo, alguns parecem preferir a "UTI processual", ou seja, ajuizamento de ações judiciais, à prevenção, como súmulas administrativas ou judiciais. Afinal, o lucro processual é maior na judicialização e não há concorrência com outras carreiras. Sem a doença não se vende remédios e tratamentos, ou seja, o período de saúde não dá lucro para alguns setores. 

Outro ponto, pouco discutido, é: a lei federal no Nordeste é diferente da lei federal no Sul? As leis das universidades no Sul são diferentes das leis para universidades federais do Rio de Janeiro? O INSS em Minas Gerais é diferente do INSS em São Paulo? Ora, não há diferença alguma. Logo, não há necessidade nem dos atuais TRFs, muito menos de se criar outros. Quando muito, poder-se-ia criar câmaras avançadas, de um único TRF, em vários Estados, mas com uma estrutura bem menor e menos palaciana. 

O argumento de se criar um TRF sem aumentar despesa é algo surreal, inclusive esses estudos nem foram publicados na internet para análise de todos. O próprio presidente da Câmara dos Deputados à época, Rodrigo Maia, alegou que não acreditava ser possível essa possibilidade, mas que, pelo intenso lobby, colocou-a em pauta. Ora, criar mais cargo de juiz federal de segunda instância em outro Estado, mais prédios, mais carros, mais motoristas, e ainda que removendo servidores administrativos (nem ficou claro isso), e alegar que isso não aumentará despesas é algo impressionante e precisa ser mais estudado liberando esses fenomenais estudos técnicos na internet, no portal do TRF-1, para que possa ser até mesmo auditado por especialistas em gestão e engenheiros. 

Em tempos de pandemia, em que as pessoas clamam por hospitais e até mesmo oxigênio, o meio jurídico faz lobby para criação de mais um palácio, com mais promoções e até mesmo mercado regional em Minas para algumas categorias.  

É triste ver isso e, principalmente, ter consciência disso. É como se a rainha dos brioches que contribuiu para a Revolução Francesa estivesse ressuscitado no meio jurídico brasileiro; o povo brasileiro não quer palácios jurídicos, mas, sim, unidades de saúde e escolares, com estruturas básicas e investimentos em ciência para melhoria da saúde. Somos o país que proporcionalmente tem o maior gasto com órgãos jurídicos no mundo, considerando Judiciário e funções essenciais à Justiça, e ainda se fala que há pouco recurso financeiro, mas são modelos de gestão arcaicos e que nem mesmo focam na meritocracia, e sempre com a solução de "mais do mesmo", isto é, criar mais varas e mais tribunais, sendo que nos demais países do mundo estão fechando tribunais e varas por questão de economia e por usarem vias alternativas para solução de conflitos. 

É fato que o caótico modelo de assistência jurídica provoca a judicialização irresponsável, mas isso já foi alertado até mesmo por juízes em artigos, mas nada se faz. Afinal, por trás dessa falsa "Justiça gratuita" há o Estado pagando e muitos recebendo em salários, subsídios ou em honorários. É uma máquina em que o cidadão deixa de ser sujeito e passa a ser objeto. O recebimento de remuneração é louvável, mas quando se descobre que há outra solução para a doença (lentidão processual e alto custo), mas não há interesse em sua aplicação, a situação moral e jurídica muda substancialmente, ou ao menos deveria. 

Embora seja comum alegar-se termos como "autonomia", "independência", nenhum desses princípios está acima do princípio constitucional da eficiência, e nenhum pode ser usado em benefício próprio e em detrimento do bom atendimento à sociedade, mas esse desvio tem ocorrido com frequência, alguns acham que são "donos do Estado", e não servidores do Estado e do povo. 

Em suma, não precisamos de mais TRFs, e os que existem poderiam ser apenas câmaras avançadas em outros Estados. E isso com custo menor, uma vez que poderiam ter súmulas únicas para uniformizar pois atualmente há muita divergência até entre os TRFs. Além disso, o próprio MPF deveria cobrar dos órgãos federais a publicação de súmulas. E também permitir a distribuição de processos eletrônicos de varas com maior distribuição para varas com menor distribuição, independente da região, buscando uma equalização de processos novos distribuídos e o julgamento em prazo razoável, pois haveria um melhor uso das verbas públicas.

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