Opinião

Contas públicas dos entes subnacionais e o regime extraordinário fiscal

Autor

  • Eduardo Muniz M. Cavalcanti

    é advogado procurador do Distrito Federal mestre em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) doutorando em Direito ex-procurador da Fazenda Nacional ex-procurador do Estado de Minas Gerais e sócio da Bento Muniz Advocacia.

11 de fevereiro de 2021, 7h11

As disposições da Emenda Constitucional nº 106, de 8 de maio de 2020, para as contas públicas e as ações de combate à pandemia da Covid-19 estabeleceram no plano constitucional, em razão de emergência de saúde pública de importância internacional, o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes.

A necessidade de compreensão dos efeitos da EC 106, de 2020, se justifica no fato de que texto somente se refere à União e não menciona os Estados, municípios e o Distrito Federal.

Ainda no início do ano de 2020, a sociedade brasileira começou a sentir os efeitos deletérios da pandemia de coronavírus que já vinha sendo enfrentada por diversos outros países. Desde então, os cidadãos e o poder público, nas suas diversas esferas, enfrentam intensos desafios decorrentes da grave crise sanitária que já levou à trágica perda de centenas de milhares de vidas.

Diante da excepcionalidade das ações que precisariam ser tomadas para redução dos impactos negativos da pandemia, o ministro Alexandre de Moraes, por decisão monocrática publicada em 31/3/2020, concedeu medida cautelar na ADI 6547 para:

"(…) Conceder intepretação conforme à Constituição Federal aos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal e 114, caput, in fine e § 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias/2020, para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de Covid-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de Covid-19".

A decisão reconheceu que certas situações afetam radicalmente a possibilidade de execução do orçamento público planejado, tal como reconhecido pelo artigo 65 da LRF, e que a pandemia da Covid-19 representa uma condição superveniente absolutamente imprevisível e de consequências gravíssimas, de efeitos drásticos para a execução orçamentária anteriormente planejada.

Entendeu necessária uma atuação urgente, duradoura e coordenada de todos as autoridades federais, estaduais e municipais em defesa da vida, da saúde e da própria subsistência econômica de grande parcela da sociedade brasileira, tornando, por óbvio, logica e juridicamente impossível o cumprimento de determinados requisitos legais compatíveis com momentos de normalidade.

Nesse contexto fático e normativo, aos Estados e municípios permitem-se as dispensas do atingimento dos resultados fiscais, haja vista a ocorrência do estado de calamidade pública, assim como na União.

Essa foi a conclusão alcançada pelo Supremo Tribunal Federal na decisão plenária que referendou a medida cautelar anteriormente concedida.

Nos termos da manifestação do ministro relator, o artigo 3º da emenda "prevê uma espécie de autorização genérica destinada a todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para a flexibilização das limitações legais relativas às ações governamentais que, não implicando despesas permanentes, acarretem aumento de despesa".

Além disso, o voto destaca outras medidas de efeitos nacionais que guardam relação direta com o quanto decido por sua decisão monocrática e que tornam prejudicada a pretensão veiculada originalmente na ação direta de inconstitucionalidade. São eles:

"1) Processos simplificados de contratação; 2) critérios objetivos para distribuição de equipamentos e insumos de saúde; 3) a contratação temporária do artigo 37, IX, CF não precisará cumprir a exigência do artigo 169, §1º da CF; 4) permissão para que empresas com débitos na previdência contratem com o poder público ou recebam benefícios e incentivos; 5) em 2020 não será necessário cumprir a "regra de ouro" do artigo 167, III, da CF; 6) programação orçamentária específica e prestação de contas avaliada separadamente; 7) recursos das operações de crédito poderão ser utilizados para pagamento dos juros e encargos; 8) autorização para o Banco Central comprar e vender títulos de emissão do Tesouro e outros ativos; 9) o Congresso Nacional pode sustar decisões do Executivo que descumprirem a EC 106/2020; 10) confirmação dos atos já praticados anteriormente pelo Executivo e que sejam compatíveis com a EC 106/2020; 11) vigência temporária" (ADI 6357 MC-Ref, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/5/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-276, DIVULG 19-11-2020 PUBLIC 20-11-2020)

Portanto, pode-se afirmar que o caráter nacional da EC 106 incide sobre os processos de despesas de todos os entes federados para enfrentamento da pandemia da Covid-19, desde que observados os requisitos objetivos e temporais vinculados ao estado de calamidade pública interno de cada um deles.

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