Opinião

STJ reforça proteção da parte vulnerável do contrato bancário com analfabeto

Autor

11 de fevereiro de 2021, 15h12

Na era digital, em que contratos bancários são celebrados por simples cliques na tela do smartphone ou do caixa eletrônico, as regras basilares de celebração de negócio jurídico estão previstas no Código Civil.

De acordo com o artigo 104 do referido código, a validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não proibida na lei.

Ainda, o Código de Defesa do Consumidor é claro no sentido de que devem ser prestigiados o acesso à informação, a segurança na celebração do negócio e a proibição de práticas que dificultem o exercício dos direitos básicos do cidadão (artigo 6º).

Nesse contexto, há algum tempo os tribunais têm sofrido com a massa de processos nos quais se pleiteia o reconhecimento de nulidade do contrato em razão de haver sido contraído por pessoa analfabeta.

A princípio, necessário distinguir que, se ausente ao agente a validade de sua manifestação de vontade, então o negócio é nulo de pleno direito, insanável, de modo que estar-se-ia diante de caso de restituição das partes ao status quo ante.

A oscilação jurisprudencial era notória no tema. Em alguns casos se entendia que deveria se aplicar as regras do Código Civil a respeito da contratação de prestação de serviços com analfabeto, que reza: "Artigo 595  No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas".

Em outros casos, se entendia que seria necessária a celebração do negócio por instrumento público perante tabelião de notas, cuja fé pública resguardaria os interesses do polo frágil da relação consumerista. Essa última hipótese, além de implicar em acréscimo de custos da escritura pública — que certamente a instituição financeira transferiria para o consumidor —, também implica em burocracia impensável diante da quantidade de contratos que são celebrados.

Grande parte dos contratos também possuía a aposição da impressão digital do cliente na página final, como forma de assinatura. Essa metodologia é absolutamente impraticável porque não temos um banco público de impressão digital em que seja possível a rápida conferência dos elementos distintivos da digital. Assim, muito embora haja uma digital na última página do contrato, não quer dizer que seja aquela parte que tenha assinado, ou ainda que tenha ela vinculado sua impressão digital, não significa que compreendera o conteúdo.

Esse é o ponto. Não se trata de preocupação apenas quanto à forma, quanto ao preenchimento do requisito da manifestação de vontade, mas é crucial que se assegure ao consumidor o completo conhecimento das taxas empregadas, do valor e da quantidade de parcelas, evitando-se fraudes em sua conta bancária.

Colocando pá de cal na divergência, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial nº 1.868.099-CE, decidiu recentemente que "é válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo, a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao contrato escrito".

O julgado exige ainda que haja aposição de duas testemunhas para a validade da assinatura a rogo. Nós completaríamos a exigência: as testemunhas não podem ser funcionários, nem temporários, da agência da instituição financeira ou sua sucursal ou correspondente bancário.

Ainda não se trata de tema afetado em sede de recurso especial repetitivo, que faria força vinculante nos moldes do artigo 927 do Código de Processo Civil, mas é um lumiar de que a jurisprudência caminha no sentido de proteger a parte vulnerável do contrato.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!