Opinião

A prescrição intercorrente no âmbito das execuções fiscais

Autor

  • Marília Tofollis de Melo

    é advogada tributarista em Rodovalho Advogados bacharela em Direito pela UFG (Universidade Federal de Goiás) especialista em Direito Tributário pelo Ibet e especialista em ICMS pelo Ipog.

9 de fevereiro de 2021, 10h32

Da necessidade de se garantir a desejada estabilidade nas relações jurídicas, surgem as figuras da prescrição e da decadência. Ambas representam a perda do exercício de um direito por deixar transcorrer o prazo legalmente estipulado. No entanto, o ponto sob análise do presente artigo não alcançará a decadência, mas colocará olhos focados na prescrição, concentrando-se nos últimos precedentes sobre sua modalidade intercorrente.

A prescrição ordinária é apontada no artigo 156, V, do CTN como hipótese de extinção do crédito tributário. Em palavras simples, segundo as melhores doutrinas, pode ser definida como a perda do direito da Fazenda Pública de tentar receber seu crédito em juízo, por meio do ajuizamento de ação de cobrança — a afamada execução fiscal.

O termo inicial de contagem da prescrição ordinária seria o lançamento definitivo do crédito, que ocorre quando não há mais possibilidade de interposição de recursos no processo administrativo. A partir de então, a Fazenda Pública tem cinco anos para ingressar em juízo com a ação de cobrança, conforme leitura do artigo 174 do CTN.

Além da sua modalidade ordinária, o artigo 40 da alcunhada Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80) prevê a possibilidade de decretação da prescrição intercorrente quando, após o ajuizamento da ação exacional, a marcha processual fica paralisada em razão da inércia da Fazenda Pública por período superior àquele prazo quinquenal do artigo 174. Essa intercorrência, advinda da desídia do exequente, tem supedâneo na regra constitucional de que nenhuma pessoa pode permanecer indefinidamente sujeita a uma obrigação, salvo as exceções do artigo 5º, incisos XLII e XLIV, da CF/88.

Na ocasião do julgamento do REsp 1.074.051/PE, o Superior Tribunal de Justiça assentou que a prescrição intercorrente "(…) é concernente ao reinício da contagem do prazo após a ocorrência de uma causa de interrupção" [1]. Ou seja, ultrapassada a possibilidade de ocorrer a prescrição ordinária, sua modalidade intercorrente poderá ocorrer a partir do despacho do juiz ordenando a citação, se verificada a inércia da Fazenda Pública.

Pelo disposto no artigo 40 da Lei 8.630/80, quando não for localizado o devedor ou encontrado bens à penhora, será suspensa a execução fiscal pelo prazo máximo de um ano, quando o juiz ordenará o arquivamento dos autos. Se após cinco anos do arquivamento, não houver qualquer alteração na situação, conforme o §4º acrescido pela Lei 11.051/04 ao artigo 40 da LEF, o magistrado instará a Fazenda Pública para se manifestar e, ao ouvi-la, decretará a prescrição intercorrente.

É motivo de lauto realce que a suspensão de um ano a que menciona o §2º tem início automático, independendo de ato judicial que a determine, e assim, não cabendo à procuradoria ou ao juiz a escolha do melhor momento para que essa suspensão se inicie. Esse foi o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça na ocasião do julgamento do REsp 1.340.553/RS, julgado sob o rito dos recurso repetitivos.

Logo, ao fim desse primeiro ano, somado aos cinco posteriores, se não houver qualquer alteração do cenário, prescrito estará o crédito fiscal. Esse é o teor da Súmula 314 do STJ, bem como o formulado pela ministra Nancy Andrighi no aresto do REsp 237.079/SP de que "a regra inserta no art. 40 da Lei 6.830/80 (…) deve harmonizar-se com o art. 174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal e eternizar as situações jurídicas subjetivas".

Nessa linha, a permanência do processo arquivado sem ter sido encontrado o devedor, nem bens penhoráveis, por mais de cinco anos implica a presunção de inércia do credor e, consequentemente, a prescrição intercorrente, que poderá ser reconhecida e decretada ex oficio pelo juiz.

Em recentíssima decisão [2], prolatada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o magistrado consignou que a paralisação do processo por inércia do exequente só não acarretaria a prescrição do crédito tributário e a consequente extinção da execução fiscal "se os atos processuais não forem realizados em razão da exclusiva morosidade dos mecanismos do Judiciário".

A inércia da Fazenda Pública para promover os atos processuais cabíveis é causa primária para que seja dado início à prescrição intercorrente, uma vez que é exigível do credor proatividade na cobrança de seus direitos. A despeito do impulso oficial após a iniciativa processual do interessado, disposto no artigo 2º do CPC, o autor deve diligenciar para obter o regular andamento do feito, dado que a distribuição do processo não exonera a parte de acompanhar o andamento processual.

Para finalizar, salienta-se aqui o corolário da razoável duração do processo, que não pode ceder à falha do Poder Judiciário em concurso com a desídia da Fazenda Pública.

 


[1] AgRg no REsp1.074.051/PE. 1ª Turma, Min. Benedito Gonçalves, DJe de 14/09/2009.

[2] Apelação Cível nº 0201454-58.2002.8.19.0001. 24ª Câmara Cível, Rel. Des. Alcides da Fonseca, DJe de 29/01/2021.

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