"Realidade Fantástica"

República de Curitiba envergonha sistemas totalitários, diz Gilmar Mendes

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9 de fevereiro de 2021, 21h48

No julgamento desta terça-feira (9/2) sobre a decisão que franqueou à defesa do ex-presidente Lula o acesso ao material da "vaza jato", o ministro Ricardo Lewandoswki, relator do caso, afirmou que a discussão não se refere à autenticidade desses dados. Eles foram obtidos ilegalmente por hackers e posteriormente apreendidos pela Polícia Federal, no curso da apelidada operação spoofing.

Nelson Jr./SCO/STF
Ministro Gilmar Mendes teceu duras críticas à "lava jato" e ao ex-juiz Sergio Moro
Nelson Jr./STF

"Esclareço que não estamos discutindo a validade das provas obtidas na operação spoofing. Isso é matéria que será discutida eventualmente em outra ação, se e quando a defesa fizer uso delas. Aqui estamos discutindo o acesso aos elementos de prova que há três anos vem sendo denegado à defesa do reclamante", afirmou o relator.

Apesar disso, mencionando algumas conversas entre os procuradores constantes do material apreendido pela spoofing, Lewandowski demonstrou preocupação com a falta de zelo com que os procuradores manipularam as informações da Odebrecht referentes ao acordo de leniência com o MPF. Esse material foi "aparentemente manipulado sem o menor cuidado". "Foi plugado em computadores, desplugado, carregado em sacolas de mercado", disse. 

O ministro Gilmar Mendes concordou que o julgamento se referia apenas ao acesso da defesa ao material da spoofing. Mas fez questão de fazer um balanço sobre o teor bombástico das conversas apreendidas pela Polícia Federal. 

Referindo-se às conversas que vieram à tona, Gilmar não poupou críticas ao modus operandi dos procuradores da "lava jato" e do ex-juiz Sergio Moro. "Ou esses fatos não existiram, o que seria bom, ou, se existiram, são de uma gravidade que comprometem a existência da Procuradoria-Geral da República", disse, dirigindo-se à subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques.

"Se eles [diálogos] não existiram, tem que se demonstrar que esses hackers de Araraquara são uns notáveis ficcionistas", ironizou. Em outro trecho do voto, Gilmar disse que, nesse caso, a "obra ficcional fantástica" mereceria o Nobel de literatura e que os hackers de Araraquara seriam comparáveis ao escritor Gabriel García Márquez. Ou então — prosseguiu —, como afirmou um colunista no New York Times, seria o maior escândalo judicial da história da humanidade.

Segundo Gilmar, Sergio Moro atuou como um verdadeiro legislador positivo, que faz suas próprias regras processuais. Referindo-se a outra conversa entre procuradores — na qual até eles estranham algumas condutas de Moro —, Gilmar afirmou que o ex-juiz estaria fazendo um novo código de processo penal. "Que não era de Curitiba. Era da Rússia", disse.

Vale lembrar que Moro é chamado pelos procuradores de "Russo". Uma das versões para o apelido, segundo consta, teria a ver com a frase de Mané Garrincha, que, na Copa do Mundo de 1958, após a preleção do técnico Vicente Feola antes de um jogo contra a Rússia, teria afirmado ao treinador: "O senhor já combinou com os russos?". 

"Isso envergonha os sistemas totalitários, que não tiveram tanta criatividade (…). Esse modelo de estado totalitário que se desenhou teve a complacência da mídia", disse ainda Gilmar. "Nós montamos um modelo totalitário. Ou alguém é capaz de dizer que há algo de democrático nesse CPP russo?"

Referindo-se a conversa noticiada pela ConJur, Gilmar afirmou também que o modus operandi da "lava jato", que usou a decretação de prisão preventiva para forçar delações premiadas, é comparável à prática de tortura.

Reclamação 43.007

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